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Camilo Vannuchi

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O primeiro ano do resto das nossas vidas

Balanço de mortes por Covid-19 no Brasil ao longo do primeiro ano da pandemia, de 11 de março de 2020 a 11 de março de 2021 - Reprodução
Balanço de mortes por Covid-19 no Brasil ao longo do primeiro ano da pandemia, de 11 de março de 2020 a 11 de março de 2021 Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

11/03/2021 10h26

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"Nas duas últimas semanas, o número de casos de Covid-19 fora da China aumentou 13 vezes e o número de países afetados triplicou. Agora são mais de 118 mil casos em 114 países, e 1.291 pessoas perderam suas vidas."

Essas palavras foram ditas por Tedros Adhanom Ghebreyesus numa conferência virtual com representantes da imprensa em 11 de março de 2020. Ghebreyesus é o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde. Há exatamente um ano, ele estava ali para declarar ao mundo a existência de uma pandemia de Sars-Cov-2, o novo coronavírus.

Na ocasião, muitas autoridades criticaram uma suposta demora na decisão da OMS. Uma delas foi o então ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta. "Era óbvio", reclamou. Ghebreyesus, ex-ministro da saúde da Etiópia e primeiro africano a dirigir a OMS, justificou a demora como uma forma de cautela. "Pandemia não é uma palavra para usar levianamente ou descuidadamente. É uma palavra que, se mal utilizada, pode causar medo irracional ou aceitação injustificada de que a luta acabou, levando a desnecessários sofrimento e morte", declarou. Com atraso ou não, começava ali o primeiro ano da pandemia, o primeiro ano do resto das nossas vidas.

No Brasil, com preocupantes 34 casos confirmados na ocasião, o que se viu foi um governante que resistia a fazer o que deveria ser feito. Ou, para ser exato, que se esforçava para fazer exatamente tudo o que não deveria ser feito. "Bolsonaro nega crise e declara que há fantasia sobre a doença", dizia uma das chamadas publicadas na primeira página da Folha de S.Paulo naquela mesma manhã. Estava consumada a polarização. Entre a ciência, de um lado, e a necropolítica, de outro, um declara pandemia, e o outro, fantasia.

Lembro com ansiedade daqueles primeiros dias. Minha filha faz aniversário no dia 16 de março. Havia uma festa marcada para a data, uma segunda-feira, depois da aula. Convites distribuídos, lembrancinhas feitas, umas trinta crianças entusiasmadas. Passamos o fim de semana grudados no noticiário e, na própria segunda, foi preciso cancelar tudo. Inclusive a ida à escola.

O que eu não podia dimensionar, naquele dia, é que, um ano depois, minha filha teria outro aniversário sem encontrar os amigos, sem abraçar os avós. E que seguiria com as aulas remotas, as paredes do apartamento cada vez mais opressoras, um presidente da República que não cai: apesar do desgoverno, das agressões diárias, das 11 milhões de pessoas infectadas, das 270 mil mortes. O Brasil convertido em ameaça global.

A pergunta que fica é: o que faremos agora? Essa questão deveria ser a única a estampar os jornais, a permanecer em letras grandes nos sites de notícia, a inspirar todas as lives, todas as conversas por WhatsApp (já que as conversas de corredor e o papo de bar estão temporariamente suspensos), todas as iniciativas da sociedade civil, das associações de classe às federações de empresas, das igrejas aos partidos.

Passado um ano, não dá mais para tolerar a empáfia, o cinismo, o desserviço, a política de morte, sem mexer profundamente no comando do país e na política de enfrentamento à pandemia. Quantas mortes serão necessárias? Por quanto tempo vamos nos sacrificar e sacrificar a nova geração?

Você está disposto a fazer do ano 2 da pandemia o último ano da pandemia? Ou vai aceitar que a tragédia continue a avançar sem resistência, sem enfrentamento, sem juízo?