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Camilo Vannuchi

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mais uma dose? É claro que eu estou a fim

O percentual de brasileiros 100% vacinados, com a primeira e a segunda doses, ou com a dose única, não passa de 16% da população - iStock
O percentual de brasileiros 100% vacinados, com a primeira e a segunda doses, ou com a dose única, não passa de 16% da população Imagem: iStock

Colunista do UOL

21/07/2021 23h12

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Tenho contado os dias que faltam para tomar a segunda dose da vacina. De vez em quando, me pego cantarolando a música do Barão. Quem viveu os anos 1980 há de se lembrar. "Mais uma dose? É claro que eu estou a fim. A noite nunca tem fim".

Não deixa de ser cômico, ou melancólico, que uma ode à festa e à volúpia agora soe como medida profilática. Mais do que a segunda dose de uísque, gim ou absinto, o que nos põe em compasso de espera, canibais de nós mesmos antes que a terra nos coma, é a segunda dose no braço.

Uma vez por semana, corro até a gaveta para conferir o comprovante de vacinação e checar a data rabiscada a lápis na coluna da direita. Cinquenta dias? Quarenta e dois? Trinta e seis? Um mês para a segunda dose? "Somam-se-me dias", escreveu, certa feita, Fernando Pessoa, dando voz a um de seus angustiados heterônimos. "No tempo em que festejavam os dias dos meus anos, eu era feliz e ninguém estava morto".

De tempos em tempos, também consulto o calendário do governo do Estado para saber a quantas anda a imunização das demais faixas etárias. Quais os próximos amigos e familiares a receberem a bênção da vacina? Das minhas três irmãs, duas acabam de receber a primeira dose. Para a mais nova, mistério. Talvez em meados de agosto. Os professores dos meus filhos devem tomar a segunda picada em setembro: um sopro de esperança para o retorno às aulas presenciais e à sociabilização dos pequenos. O próximo passo é cobrar a imunização de crianças e adolescentes. Quando começaremos a tratar disso com seriedade?

Num país com 19 milhões de pessoas diagnosticadas com Covid e 540 mil óbitos desde o início da pandemia, pode parecer pouco, mas o total de 996 vítimas fatais da doença entre 0 e 19 anos de idade registrado somente neste ano segundo o mais recente boletim epidemiológico do Ministério da Saúde deveria ser o suficiente para acender o sinal de alerta. Foram 442 mortes por Covid em crianças de até 5 anos e sobram indícios de que as novas variantes têm maior incidência entre menores de idade do que as anteriores. É preciso começar a planejar a imunização desse grupo.

Neste cenário, não deixa de ser um privilégio estar 50% imunizado quando tantos não receberam sequer a primeira dose. A parcela dos 50% vacinados ainda não chega a 90 milhões de pessoas. Somos menos de 42% da população. No Pará, 32%. No Amapá, 25%. Já o percentual de brasileiros 100% vacinados - com a primeira e a segunda doses, ou com a dose única - não passa de 16% da população. É pouco, muito pouco. É preciso vacinar mais e melhor. Enquanto isso, uma campanha de imunização que apenas engatinha é escondida, no noticiário, por um fundão que não é o do poço, por um milionário que entrou num vibrador gigante para passear por onze minutos ao redor da órbita terrestre, por um soluço que jamais deveria ter terminado.

Hoje, somos 16% de imunizados e 54% a favor do impeachment. Dois percentuais que precisam crescer, e muito, se quisermos sobreviver à barbárie. A noite nunca tem fim.