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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Covid tirou a vida de 1 em cada 17 idosos com 90 anos ou mais no país

Vista aérea de cemiterio em São Paulo com covas abertas para vítimas de covid-19 - Jose Antonio/Anadolu Agency via Getty Images
Vista aérea de cemiterio em São Paulo com covas abertas para vítimas de covid-19 Imagem: Jose Antonio/Anadolu Agency via Getty Images

Colunista do UOL

03/03/2022 04h00

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O Brasil atingiu ontem a triste (mas esperada) marca de 650 mil mortos pela covid-19. Em dois anos de pandemia no país, a doença causada pelo SARS-CoV-2 deixou uma sequela cruel especialmente entre os mais idosos.

A coluna levantou os dados do Portal da Transparência dos cartórios de registro civil. Até ontem foram registrados 43.910 óbitos de pessoas de 90 anos ou mais. O alto número se torna ainda mais assustador quando se compara com a população estimada no Brasil nessa faixa etária em 2019 (último ano antes da pandemia): segundo o IBGE eram 774.304 idosos 90+.

Em cálculo simplório, sem pretensão científica, vemos que os óbitos pela covid-19 representam 5,6% desses idosos que viviam no Brasil no antes da pandemia.

Dessas vítimas, 2,5 mil eram pessoas centenárias, segundo os dados dos cartórios. Aqui uma ressalva: não há dados atuais de pessoas com 100 anos ou mais morando no Brasil, segundo informou o IBGE à coluna. "Esse grupo etário é muito rarefeito e somente pode ser captado nos censos demográficos", disse o órgão. No Censo de 2010, a população centenária medida foi de 23.760 pessoas no país.

Somente este ano, a covid-19 já vitimou 4.600 idosos com 90 anos ou mais no país. Com o avanço da vacinação, como o UOL mostrou, os idosos com mais de 70 passaram a responder por 63% de todos os óbitos pela covid-19 no país. Isso ocorre porque esse grupo etário tem maior fragilidade, e a covid-19 pode causar problemas graves.

"O coronavírus não é mais aquele grande vilão causador da insuficiência respiratória, mas sim um agente que vai descompensar outros problemas. Isso não é só com os idosos, mas com adultos que tenham uma comorbidade, uma criança com uma doença cerebral. Essas pessoas têm uma fragilidade e estão em um ponto de equilíbrio tênue da saúde", disse o geriatra Marco Polo Dias Freitas, doutor em saúde coletiva pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e membro da Comissão de Políticas Públicas da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia),

Mortes por idade causadas pela covid-19:

Dados de cartórios - Reprodução/Arpen-Brasil - Reprodução/Arpen-Brasil
Imagem: Reprodução/Arpen-Brasil

Vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), a sanitarista Bernadete Perez, afirma que era esperado que a pandemia atingisse mais essa faixa etária no Brasil, como ocorreu em todo o mundo. "A doença é mais grave na população mais idosa. Quanto mais idade, maior é o risco, maior a letalidade", conta.

Entretanto, ela afirma que o país cometeu erros e omissões que poderiam ter ajudado a salvar vidas.

Precisaríamos ter enfrentado a pandemia com rede de atenção, vigilância epidemiológica, comunicação social, estratégias de proteção social para estas pessoas mais vulnerabilizadas, especialmente as mais idosas. Idade avançada não é comorbidade, é uma condição natural que precisa ser cuidada. É nossa memória, cultura, história, o que temos de mais valor.
Bernadete Perez, Abrasco

Ela diz ainda que o número de mortes nessa terceira onda não foi mais mortal por causa da vacinação. "Nosso problema é que a vacinação foi tardia, e hoje temos a necessidade da busca ativa. Isso é vinculado à atenção primária necessária para que a gente consiga cobrir 100% da população —ou perto disso— das pessoas com 90 anos e mais. É a forma de proteção mais efetiva", completa.

Movimento para proteção

Durante a pandemia, para proteger os idosos, um grupo criou o movimento nacional "Vidas Idosas Importam" —que hoje existe em todos os estados. "Ele defende a diversidade do envelhecimento —porque ninguém envelhece da mesma forma", conta o gerontólogo e fundador do movimento, Crismedio Costa.

Movimento com 12 mil voluntários para ajudar idosos em todo país - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Movimento com 12 mil voluntários para ajudar idosos em todo país
Imagem: Arquivo pessoal

Ele afirma que a crise humanitária provocada pelo coronavírus ainda causa muitos danos, como o medo da morte por causa da alta letalidade da doença nessa faixa. "O pavor teve um impacto forte e negativo na vida dessas pessoas, então muitas chegaram a ficar atordoadas e levou a um isolamento por conta do medo", diz

Para ele, o preconceito é outro fator danoso. O chamado etarismo (a discriminação por idade) foi um dos fatores. "O fato dessas pessoas terem fragilidade na saúde, terem sido contaminadas com a covid-19, serem internadas e irem a óbito fez com que a sociedade os isolasse", relata.

O Brasil caminha para ter a 6ª maior população do planeta de idosos, mas não criou ainda políticas efetivas para a dignidade no cuidado a essas pessoas. E a palavra de ordem é cuidado, segurança, dignidade ao envelhecer.
Crismedio Costa