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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Marcada por corrupção, cidade de aliado de Lira afasta prefeitos desde 2000

Protesto de trabalhadores da educação, na sexta, passa ao lado de placa de GG e Arthur Lira - Carlos Madeiro/UOL
Protesto de trabalhadores da educação, na sexta, passa ao lado de placa de GG e Arthur Lira Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Colunista do UOL

14/08/2022 04h00

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Na manhã da última sexta-feira (12), professores e trabalhadores da educação de Rio Largo, na região metropolitana de Maceió, saíram em protesto pela principal avenida do centro da cidade cobrando o repasse do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), ao qual os educadores têm direito, mas não recebem desde 2017.

O rateio é apenas uma das queixas de professores à gestão da cidade, investigada por corrupção e com um histórico de duas décadas de prefeitos eleitos afastados por casos de desvio do erário.

Rio Largo era governada, até a quinta-feira, pelo prefeito Gilberto Gonçalves (PP), que foi afastado do cargo por 60 dias pelo TRF-5 (Tribunal Regional Federal da 5ª Região).

Naquele dia, uma operação da PF (Polícia Federal) na cidade apreendeu documentos e celulares durante a apuração de suposto desvio de recursos federais da educação e da saúde, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

A coluna procurou a assessoria de imprensa de Gilberto, que informou que iria se pronunciar após a análise do jurídico do prefeitura, mas até o momento nada foi informado.

Na Câmara Municipal, estava marcada a posse da prefeita interina, Cristina Gonçalves. Um detalhe curioso: ela é esposa de Gilberto.

Ao chegar, ainda que com dez minutos de antecedência ao horário indicado, o funcionário da Câmara informou que a posse já havia ocorrido, de forma fechada, e que Cristina não estava mais no local.

Sede da Câmara Municipal de Rio Largo (AL)  - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Sede da Câmara Municipal de Rio Largo (AL)
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Na entrada de Rio Largo, a primeira coisa que chama a atenção é uma placa com a foto de Gilberto e seu "padrinho político", o deputado federal Arthur Lira (PP), que também é presidente da Câmara dos Deputados. A coluna viu ao menos três placas com fotos de ambos em outros pontos da cidade.

Nesses outdoors, GG, como gosta de ser chamado, agradece ao presidente da Câmara por obras ou investimentos na cidade —uma das líderes em recebimento de dinheiro por meio do orçamento secreto: R$ 8,9 milhões destinados pela Câmara.

Gilberto é uma figura conhecida na política alagoana. Ele ficou conhecido na investigação da PF que resultou na operação Taturana, em 2007. Foi apurado um suposto desvio de R$ 302 milhões da Assembleia Legislativa de Alagoas, mas até hoje não há detidos e todos os denunciados (inclusive Arthur Lira) continuam exercendo seus mandatos.

GG ficou marcado na na investigação após uma ligação interceptada dele para o então diretor de recursos humanos da Assembleia, Roberto Menezes. Ele cobrou sua parte da verba desviada. "Eu quero meu dinheiro. E não venha com desconto de INSS, não, porque isso é dinheiro roubado! É melhor você me dar do que sair tudo algemado dessa porra", disse.

Mas não foi a primeira vez que Gilberto deixou o comando da cidade: em 2019, ele foi cassado pela Câmara, mas conseguiu reaver o cargo pouco depois, com uma decisão judicial que anulou seu impeachment.

Prefeito Gilberto Gonçalves (e seu tradicional chapéu de palha) ficará longe do cargo por 60 dias - Facebook/Reprodução - Facebook/Reprodução
Prefeito Gilberto Gonçalves (e seu tradicional chapéu de palha) ficará longe do cargo por 60 dias
Imagem: Facebook/Reprodução

Sem escola e sem estrutura

Enquanto recebia dinheiro federal, a cidade acumulava problemas. Na escola Dom Pedro I, por exemplo, os alunos estão sem estudar desde o início da pandemia, já que as obras começaram em maio e até hoje não terminaram.

"Os alunos estão tendo aula online e tem toda a questão da estrutura celular. Às vezes, a mãe tem um telefone para três ou cinco crianças. Eles estão com dificuldade esse tempo todo, sem que a reforma seja entregue. Sem contar outras escolas que também têm situações péssimas", diz Rosiele Costa Guimarães, presidente do Sinteal (Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Alagoas) em Rio Largo.

Escola Hilza de Paiva, em Rio Largo, não tem rua asfalta e tem difícil acesso - Sinteal/Divulgação - Sinteal/Divulgação
Escola Hilza de Paiva, em Rio Largo, sem rua asfaltada e com difícil acesso
Imagem: Sinteal/Divulgação

Também há vários professores aprovados em concurso que não foram chamados. "Ele usa os [funcionários] temporários porque não gosta e persegue o trabalhador concursado. Ele sabe que não pode controlar", completa.

Rio Largo também foi uma das cidades mais atingidas pelas cheias de julho em Alagoas, que deixaram 50 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas. As marcas da destruição estão por toda parte. "Isso aqui alagou tudo, foi grande o prejuízo de todos", conta o comerciante do centro, Davi Silva.

Histórico complicado

Rio Largo tem um histórico de problemas de políticos com a Justiça. Num outro episódio conhecido, em maio de 2015, o então prefeito, Toninho Lins (à época no PSB), e os dez vereadores do município tiveram prisão decretada pela Justiça, a pedido do MP-AL (Ministério Público de Alagoas) pela desapropriação e venda irregular de um terreno.

Todos os vereadores foram presos em uma operação da polícia durante uma sessão parlamentar. No mês seguinte, foi a vez de Toninho ser detido e afastado por ordem do Tribunal de Justiça.

Isso porque, em 2010, a prefeitura usou o estado de calamidade pública para desapropriar uma área de 2,5 milhões de m² para construir casas populares a moradores vítimas da grande enchente.

Mas o terreno foi vendido pela prefeitura —com aval unânime da Câmara de Vereadores— a uma construtora, por R$ 700 mil, ou seja, R$ 0,28 por m². A área fica localizada ao lado do aeroporto internacional Zumbi dos Palmares e havia sido avaliada em R$ 30 milhões.

Prefeitura de Rio Largo - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Prefeitura de Rio Largo
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Outro caso emblemático na cidade ocorreu em 2004, quando um incêndio na Secretaria Municipal de Finanças destruiu documentos públicos. Cinco anos depois, a então prefeita à época, Vânia Paiva, foi presa e denunciada por ter supostamente causado o fogo. Segundo um dos advogados da ex-prefeita, Rodrigo da Costa Barbosa, Vânia e o marido foram absolvidos da acusação. Vânia ainda responde a outras acusações na Justiça.

Antes de terminar o mandato, em junho de 2008, Vânia foi afastada após denúncias de corrupção envolvendo ela e o marido, então secretário de Finanças.

Primeira na lista de afastamentos da cidade, Maria Elisa Alves da Silva (2001-2004) foi reincidente. Foi afastada por ao menos três vezes do cargo (do qual Vânia Paiva era vice), sob acusação de desviar R$ 2 milhões do erário.

Ela, que foi eleita vice-prefeita em 2012 na chapa de Toninho Lins, teria desviado recursos federais e usado notas fiscais "frias", além de utilizar servidores do município para fins privados.