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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Alagoas cria licença-prêmio retroativa que pagará até R$ 1 milhão a juízes

Prédio do Tribunal de Justiça de Alagoas, no centro de Maceió - Caio Loureiro/Divulgação TJ-AL
Prédio do Tribunal de Justiça de Alagoas, no centro de Maceió Imagem: Caio Loureiro/Divulgação TJ-AL

Colunista do UOL

17/08/2022 04h00

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A Assembleia Legislativa de Alagoas aprovou ontem (16), em segunda votação, um projeto que muda uma lei de 2006 e cria uma licença-prêmio aos magistrados. Encaminhado pelo TJ (Tribunal de Justiça) do estado, o texto ainda autoriza um pagamento retroativo de até R$ 66 milhões a juízes e desembargadores que não usaram esse benefício nos últimos 15 anos.

Pela estimativa financeira anexada pelo TJ ao projeto, os pagamentos possíveis vão de R$ 30,4 mil a R$ 1 milhão, de acordo com o tempo de carreira e número de licenças retroativas criadas com a lei.

O projeto foi aprovado por 17 votos, tendo dois contrários. "Temos no Judiciário cerca de 20 dias de recesso por ano, férias de 60 dias e, agora, com esse projeto, aprovaremos mais 60 dias de férias, de três em três anos, inclusive com a possibilidade de 'venda', com efeitos retroativos desde a posse de cada membro do Judiciário", criticou a deputada Jó Pereira (PSDB), ao votar contra.

"A classe de magistrados já tem todas as beneficies, tem bons salários. É o topo do funcionalismo, não acho justo com outros setores. E ainda [no projeto] teve direito de vender o retroativo do que não gozou. Por ser um liberal, não poderia nunca concordar com uma lei dessas", completou o deputado Davi Maia (União Brasil), o único outro deputado a votar contra.

Para virar lei, ainda é necessária a sanção do governador Paulo Dantas (MDB). Caso ele vete a proposta, a Assembleia pode manter ou derrubar o veto (ou seja, promulgando a lei).

A coluna procurou a assessoria de Dantas (MDB) sobre o tema, mas recebendo apenas uma nota de que ainda está sem posição sobre o projeto.

O comunicou apontou que, "como de praxe, [o projeto segue] para análise da Procuradoria-Geral do Estado, onde receberá parecer". "Na sequência, vai ao Palácio, quando o governador se pronunciará."

Plenário da Assembleia aprovou o projeto nesta terça-feira  - Assembleia/Divulgação - Assembleia/Divulgação
Plenário da Assembleia aprovou o projeto nesta terça-feira
Imagem: Assembleia/Divulgação

Benefício é retroativo

O projeto aprovado muda lei de 2006 e afirma que, "a cada três anos, um magistrado tem direito a um afastamento remunerado de 60 dias".

O texto garante ainda que a conversão da "licença-prêmio em pecúnia (dinheiro)" deve ser feita da "totalidade dos meses de cada período adquirido pelo magistrado durante seu tempo na magistratura". Não há, porém, especificação sobre como será feita essa regulamentação.

O pagamento do valor não gozado deve levar em conta a remuneração de cada magistrado estadual — ou seja, a cada 30 dias não tirados desde 2006, um salário mensal deve ser pago em dinheiro. Hoje, a remuneração mais baixa de um juiz no estado é de R$ 30,4 mil.

Pela lista encaminhada no projeto aos deputados estaduais, há o caso de um desembargador que tem 30 licenças não tiradas desde 2006, o que gera um direito a R$ 1.063.866,60.

Apesar de não ficar claro no projeto, a lei abre também a possibilidade de que ele tenha direito ao afastamento retroativo em vez de receber o valor —ou seja, nesse caso o magistrado teria direito a uma licença total de 60 meses (ou cinco anos).

A coluna procurou o TJ para que explicasse e comentasse sobre o projeto, mas ainda não obteve retorno.

No texto original assinado pelo presidente Kléver Loureiro, o TJ afirma que o projeto não acarretará em custos ao Executivo, visto que não há necessidade de recursos extraordinários ao orçamento. "O pagamento ficará condicionado à disponibilidade orçamentária e conveniência da administração", diz.

Em julho do ano passado, Loureiro foi alvo de protestos públicos após uma resolução do TJ aumentar o valor do auxílio-alimentação de R$ 1.520,22 para R$ 3.040,44 ao mês.

"Para o cargo que nós exercemos, ganhamos pouco. Se formos comparar, com todo respeito, o salário de jornalista, o salário de jogador de futebol, aí você vê uma pessoa como o Faustão, como a Xuxa, que ganha em média 5 milhões [de reais]; então um juiz com tudo só ganhar 25 mil [reais], sobre a minha ótica, respeitando quem tem opinião diferente, não é salário estratosférico de maneira nenhuma", disse à época.

Desembargado Klever Loureiro, presidente do TJ de Alagoas - Itawi Albuquerque/Divulgação TJ-AL - Itawi Albuquerque/Divulgação TJ-AL
Desembargador Kléver Loureiro, presidente do TJ de Alagoas
Imagem: Itawi Albuquerque/Divulgação TJ-AL

Associação de juízes defende auxílio

Em nota, a Almagis (Associação Alagoana de Magistrados) defendeu a instituição da licença-prêmio, afirmando que "os membros do Poder Judiciário alagoano, injustificadamente, nunca tiveram acesso [ao afastamento]".

"É um benefício concedido há décadas a muitos servidores públicos federais, estaduais e municipais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todo o Brasil", diz o texto.

Ainda de acordo com a entidade, o benefício é um "direito reconhecido pelo CNJ" (Conselho Nacional de Justiça). "Destarte, é jurídico e ético o cabimento de mencionado direito".

A nota ainda alega que a licença não gerará um crédito milionário para os magistrados. "Na realidade, por lei e como regra, deve ela ser usufruída, e não convertida em pecúnia, que só ocorrerá em circunstâncias restritas e excepcionais", diz, sem explicar como isso se dará nos casos de licenças retroativas.

"Mencionadas circunstâncias estão no texto do projeto de lei e compreendem: a avaliação da conveniência e oportunidade, ou seja, da necessidade de serviço; e a disponibilidade financeira e orçamentária para tanto. Portanto, não é um direito de adimplemento automático", finaliza.