Carlos Madeiro

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Dengue triplica, e Maceió vai à Justiça contra greve de agentes há 637 dias

Há 637 dias, Maceió está com agentes comunitários de saúde e de combate às endemias está em greve, lutando por melhorias salariais e de condições de trabalho, naquela que é a greve mais longa já registrada no estado (não há dados nacionais).

Sem a ação dos profissionais que fazem visitas a comunidades, residências e estabelecimentos, Maceió viu o número de casos de arboviroses, em especial dengue, crescer em 2024, o que levou a capital alagoana à situação de emergência.

Segundo o último Boletim Epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde, até a 30ª semana do ano, foram 4.553 casos de dengue confirmados, três vezes mais que os 1.511 do mesmo período do ano passado.

Suspensão emergencial

Por conta da situação, no último dia 31 de julho, o TJ-AL (Tribunal de Justiça de Alagoas) determinou a suspensão da greve, e o movimento vai se reunir na próxima semana para decidir se encerra e mantém a greve —e assim recorre da decisão.

A decisão é monocrática e não manda encerrar a greve; manda suspender. Os agentes voltaram a trabalhar, mas a decisão se vamos recorrer ou não será tomada em assembleia na quarta-feira [13].
Fernando Cândido, diretor da Fenasce (Federação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias) em Alagoas

Ao todo, são 530 agentes comunitários de saúde e 700 de combate às endemias em Maceió.

Segundo a prefeitura, em decorrência da paralisação, cerca de 2 milhões de ações em imóveis deixaram de ser realizadas. "Isso corresponde a uma perda de 95,67% da produtividade anual", alegou no pedido à Justiça.

Servidores em greve na Secretaria Municipal de Economia
Servidores em greve na Secretaria Municipal de Economia Imagem: Divulgação
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A história da greve

A greve foi declarada em 11 de outubro de 2022. Logo após o início da paralisação, a Prefeitura foi à Justiça, mas acabou tendo o pedido de ilegalidade de greve negado. Ainda foi vetado o corte de salários e de repasses ao sindicato em retaliação à paralisação.

Desde então, servidores têm realizado atos públicos, mas reclamaram da falta de negociação com o município. "Até hoje, o prefeito [João Henrique Caldas-PL] nunca sentou para conversar com a categoria."

Os servidores cobram a implantação do piso salarial nacional das categorias no salário-base do início da carreira e a melhoria nas condições de trabalho.

Os agentes de combate às endemias realizam atividades de prevenção de doenças e de promoção da saúde, com ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas. Já os agentes comunitários de saúde têm como atribuição o exercício de atividades de vigilância, prevenção e controle de doenças.

Segundo os sindicatos, o piso nacional da categoria (dois salários mínimos) não estaria sendo respeitado em Maceió. "Nosso vencimento inicial, em alguns casos, chega a ser menor que um salário mínimo."

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A nossa maior reivindicação é que o nosso piso seja implantado no plano de carreira como vencimento inicial. O estado de emergência deveria ser usado como mais um motivo para que o prefeito cumpra a lei, porque Maceió é o único município de Alagoas que não respeita a legislação.
Fernando Cândido

Servidores colocam foto do prefeito JHC em cima de caixão durante protesto
Servidores colocam foto do prefeito JHC em cima de caixão durante protesto Imagem: Divulgação

Prefeitura diz que fez propostas

Em nota à coluna, a Secretaria Municipal de Gestão de Pessoas e Patrimônio diz que "esteve contato direto com as lideranças da categoria e que negociações junto aos agentes da saúde foram feitas, antes e durante a greve."

Ao longo do período, diversas propostas que assegurariam, além do piso e uma evolução imediata nas carreiras, foram construídas e colocadas à disposição da categoria, com intermédio e acompanhamento do Poder Judiciário.
Secretaria Municipal de Gestão de Pessoas e Patrimônio

Já a Secretaria Municipal de Saúde afirmou que "com a paralisação dos agentes de saúde e de endemias, houve um risco ambiental significativo para a população por conta da falta de inspeção adequada de imóveis, estabelecimentos, terrenos e áreas do entorno, mas que durante todo o período foram adotadas estratégias para mitigar os efeitos."

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A SMS informa ainda que antes do surto de dengue atual, que tem características de abrangência nacional, Maceió chegou a ter os melhores índices históricos em relação à dengue.
Secretaria Municipal de Saúde

Agentes de endemias durante ação nas ruas de Maceió
Agentes de endemias durante ação nas ruas de Maceió Imagem: Divulgação/SMS

Justiça acolhe pedido

Na decisão do dia 31, o desembargador Márcio Roberto Tenório de Albuquerque levou em conta que a manutenção da greve por quase dois anos "tem ocasionado diversos transtornos ao serviço público e à saúde da população."

É forçoso reconhecer que, de fato, houve um expressivo aumento nos casos de dengue e de chikungunya, resultando, inclusive, em óbitos. Tal expressividade indica uma íntima relação com a drástica redução no número de Agentes de Combates às Endemias e Agentes Comunitários de Saúde em atividade, quando se tem em vista que estes servidores desempenham relevante função no âmbito preventivo da saúde pública.
Márcio Roberto Tenório de Albuquerque

A prefeitura alegou no pedido que os agentes não estariam cumprindo o percentual mínimo de agentes para manter o serviço essencial. "A média diária de agentes de combate às endemias trabalhando é de apenas 57, perfazendo apenas 13% de trabalhadores em atividade."

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Os sindicatos, porém, alegam que orientam a categoria a cumprir um mínimo de 40% de servidores em atividade.

O município alega que "vivencia o nível 3 (máximo) caracterizando-se situação de emergência", o que exige "maiores esforços" para conter a infestação vetorial e a consequente transmissão da doença.

Nesse sentido, considerando o alto risco sanitário em que atualmente se encontra a cidade de Maceió, no que diz respeito às arboviroses, notadamente a dengue, a chikungunya e a zika, bem como tendo em vista os danos decorrentes dessas doenças, que podem resultar em morte - como inclusive, já tem ocorrido -, não há alternativa, após o decurso de quase 2 (dois) anos, senão determinar o retorno dos referidos agentes aos seus postos de trabalho.
Márcio Roberto Tenório de Albuquerque

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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