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Carlos Madeiro

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Família alega que erro jurídico a fez 'esquecer' terras de Jeri por 20 anos

A aposentada Iracema Correia São Tiago deixou de lado por exatos 20 anos o terreno de sua propriedade onde está 80% da área da Vila de Jeri (CE), um dos destinos turísticos mais visitados do Nordeste. A área da vila é de 88,2 hectares, e 73,5 deles estão em uma fazenda registrada no nome dela.

O motivo alegado para o "esquecimento" de terras extremamente valiosas é curioso: uma orientação errada do advogado contratado pela família em 2002, que afirmou que o estado teria feito a aquisição da área entre 1995 e 1997, e o prazo de reivindicação seria de apenas cinco anos —aquisição de terras, segundo especialistas ouvidos, não prescreve para pedido de reivindicação.

As terras foram deixadas de lado por duas décadas, até 2022, quando a família mudou de advogados que atuam no processo que pede indenização ao ICMBio pela criação do Parque Nacional de Jericoacoara, que circunda a vila —e também sobrepõe áreas de três fazendas dela.

A explicação foi dada nesta quarta-feira (23) pelo sobrinho da aposentada, Samuel Machado, que tem tomado à frente com os quatro filhos de Iracema no processo de regularização e reivindicação das terras —são três fazendas ao todo.

A Vila de Jeri fica no município de Jijoca de Jericoacoara, circunvizinhada pelo Parque Nacional de Jericoacoara.

Área em azul de Jericoacoara será dada à dona que apresentou documento de 1983
Área em azul de Jericoacoara será dada à dona que apresentou documento de 1983 Imagem: Reprodução

Escalado pela família para conversar com a imprensa, Samuel conta que Iracema, de 78 anos, é uma pessoa reservada e não esperava uma exposição pública do caso.

Quando começou essa repercussão, ficamos todos surpresos porque não estamos ferindo nada de ninguém. Por isso não nos manifestamos antes. Ela sempre deixou claro que queria só áreas remanescentes, e no acordo com o estado ela ficou com menos de 4% do total da vila e de todas as áreas livres.
Samuel Machado

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Como Iracema virou dona?

Iracema passou a ser a dona titular das terras após o divórcio de 1995 com seu então marido, José Maria de Morais Machado, com quem foi casada por 25 anos e teve quatro filhos. Ele morreu em 2008, aos 65 anos.

Machado registrou a área da fazenda Junco 1, onde estão hoje 80% da Vila de Jeri, em 1983; apenas oito anos após o divórcio, em 2003, foi feita no cartório a averbação com o nome da aposentada como proprietária.

A área da fazenda é maior: são 566 hectares, as quais perpassam a vila, o Parque Nacional de Jericoacoara e chegam a área rural do município, onde estão, até hoje, plantações de coco e caju.

Samuel conta que, como a parte da vila nunca havia sido utilizada para plantações por ser um terreno à beira-mar, o local foi "deixado de lado". "A área do parque também não era usada [para plantações] porque tem muita duna, não tinha o que fazer lá. E na época que meu tio comprou, tinha de adquirir a fazenda até o mar porque a praia era a área menos valorizada, ao contrário de hoje", explica.

A descoberta da arrecadação

Samuel conta que, em 2002, se uniu aos filhos de Iracema para tomar pé das terras da tia —e diz que a família soube ali que a parte da vila havia sido arrecadada pelo estado.

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O advogado da época disse que não tinha mais o que fazer, que tinham se passado cinco anos, e o prazo expirou. Então, nossos esforços se concentraram na área [da fazenda] do parque, até porque era um terreno cerca de 30 vezes maior que o da vila.
Samuel Machado

Nesse período, diz Samuel, eles foram aos órgãos públicos pegar documentos das terras (três fazendas ao todo) para provar a posse da tia. Em 2010, após juntarem tudo, deram entrada no ICMBio para pedir a indenização pelo uso das terras na criação do Parque Nacional.

Sem sucesso administrativo, em 2017 recorreram à Justiça Federal, onde correm três processos analisando os pedidos de indenização. "Os anos se passaram, até que contratamos em 2022 um novo grupo de advogados, que foi estudar a matéria melhor", conta Samuel.

Imagens do Parque Nacional de Jericoacoara
Imagens do Parque Nacional de Jericoacoara Imagem: Diego Bento/Ministério do Turismo

Uma conversa, e tudo muda

Tudo mudou após uma conversa despretensiosa. "Em reunião com a família, surgiu a conversa que a arrecadação teria prescrito. A gente estranhou essa orientação porque a cadeia dominial é algo previsto em lei e tem de ser respeitado", conta o advogado, Anderson Parente.

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Com a deixa, os advogados foram em busca do ato de arrecadação das terras pelo governo do Ceará. Nesse documento, havia uma cláusula que protegia os donos.

A lei já assegura que essa posse não vai prescrever, mas o próprio ato do governo faz a ressalva para esclarecer que, se porventura alguma área referida tivesse confrontação de domínio, teria nulidade. A partir daí a gente iniciou os estudos para ver o que seria possível e viável e entramos com requerimento no estado com a comprovação.
Anderson Parente

A PGE (Procuradoria Geral do Estado) afirma que fez uma análise dos documentos e comprovou a validade das matrículas e o domínio das terras.

Já o Conselho Comunitário de Jeri tem feito protestos, questiona o que chama de "cessão indevida" de terrenos e diz que vai judicializar o caso para tentar anular o acordo.

O Idace (Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará), responsável pela arrecadação, garante que o estado fez uma busca de propriedades nos cartórios e não achou esse registo de posse na década de 1990.

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Missão de retomada

Samuel Machado conta que, após a reanálise do caso, Iracema pediu para a família que buscasse o estado para resolver a questão.

Ela pediu que fosse feito o pedido de retomada, mas resguardando tudo: casas, comércio, igreja, ruas, praças, comércio, hotéis, repartições que estivessem lá. Ela deixou claro desde o começo que gostaria de receber o que estivesse estritamente desocupado e sem nenhuma utilidade da vila.
Samuel Machado

Em acordo com a PGE, a família aceitou receber uma área de 4,2 hectares (42 mil m²) que ainda não tinha registros e concordou em não pleitear indenização pela posse a nenhuma família.

Questionado se a família guarda alguma mágoa do advogado que por 20 anos a fez deixar de lado um patrimônio milionário —e que poderia ter rendido muito mais—, Samuel diz que não é caso. "Já se passaram tantos anos. Tem coisas que a gente tem de deixar, e a vida segue. Nem sempre a gente ganha tudo."

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