Maior povo isolado do mundo se aproxima e gera medo de contato mortal no AC
A aproximação inédita do grupo indígena isolado mais populoso do mundo, o povo Mascho Piro, tem gerado medo em indígenas, entidades e autoridades do lado brasileiro da Amazônia, que temem um perigoso contato na Terra Indígena (TI) Mamoadate, no Acre. Isso poderia gerar conflitos e, na pior hipótese, levar doenças a uma tribo sem qualquer imunidade.
Os Mashco Piro vivem na região da fronteira entre o Peru e o estado do Acre. A estimativa é de que sejam um total de cerca de 750 pessoas, que vivem de forma nômade no território, percorrendo grandes áreas na Amazônia dos dois países.
Eles passam a maior parte do tempo no lado peruano, mas periodicamente vão ao lado brasileiro, onde está o povo Manchineri, que tem contato com o homem branco.
Segundo o MPI (Ministério dos Povos Indígenas), historicamente, os Mashco Piro compartilham a TI com o povo Manchineri de forma pacífica e distante. Avistamentos ou vestígios da presença dos Mashco Piro no entorno das aldeias e roças dos Manchineri são relativamente comuns.
Entretanto, a situação mudou recentemente: entre o final de outubro e o início deste mês, os Mashco Piro foram avistados mais próximos do que nunca. No dia 31 de outubro, em uma ação inédita, eles invadiram e levaram ferramentas de uma casa dentro da aldeia Extrema, dos Manchineri, a mais próxima da fronteira com o Peru.
Entre as hipóteses para essa aproximação no lado brasileiro estão a grave seca que atinge o território e, principalmente, a ação de madeireiros no lado peruano da Amazônia, que estariam gerando pressão para a saída dos Mashco Piro da área onde passam a maior parte do tempo.
No Peru, o ano tem sido marcado por conflitos entre invasores e o povo Mashco Piro, que causou a morte de dois madeireiros em setembro.
Pedido de ajuda
Com medo desse contato, indígenas Manchineri solicitaram apoio do governo brasileiro no final do mês passado. Uma sala de situação foi criada no início de novembro.
Segundo Lucas Manchineri, presidente da Associação Manxinerune Ptohi Phunputuru Poktshi Hajene, o povo isolado Mashco Piro tem uma rota de deslocamento na região que está "cada vez mais ficando perto da aldeia Extrema". O furto de ferramentas da casa na aldeia no final de outubro "foi a primeira vez que eles saquearam a casa de alguém aqui", diz.
Depois de um momento de maior tensão, Lucas Manchineri diz que os Mascho Piro se afastaram da aldeia nesta semana, o que fez com que o seu povo retornasse à rotina. Mas eles sabem que a situação é temporária. "A gente está se preparando para esperar por eles daqui a dois, três ou seis meses", relata.
Queremos do governo que ele fortaleça a parceria e o trabalho dos monitores que atuam no monitoramento dos isolados. Queremos que se mantenham equipes de saúde para, quando eles aparecerem, estarmos com [boa] saúde, porque eles são vulneráveis a qualquer tipo de doenças ocidentais. Não são como nós, que já somos contatados.
Lucas Manchineri
Na região da aldeia Extrema, a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) mantém uma Base da Frente de Proteção Etnoambiental Envira, que tem o papel de monitorar os indígenas isolados.
A Funai afirma que está agindo. "Assim que a Funai soube da presença do povo isolado na área, a equipe de servidores indígenas começou uma série de ações pautadas em conversas com a comunidade, com demais instâncias administrativas da Funai, e com as organizações indigenistas parceiras", diz a fundação.
Newsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberO órgão afirma que não há histórico recente de conflito entre as etnias e que "segue monitorando a presença dos indígenas isolados na região".
Também contatado pela reportagem, o MPI diz que, logo após ser avisado pela Funai do avistamento próximo, a sala de situação foi criada com reuniões diárias. "Os primeiros objetivos para aplicar o plano de contingência consistem na construção de barreira sanitária na região onde os indígenas isolados foram avistados, para evitar contatos e interações com outros grupos", afirma.
A sala de situação está verificando a situação do grupo e a mobilização das aldeias no entorno para que seja evitado o contato.
"Após os primeiros dias, as reuniões passaram a ocorrer a cada 48h. No momento atual, a avaliação técnica dos órgãos envolvidos é de que os isolados estão em um movimento de afastamento da comunidade Manchineri. Enquanto isso, órgãos de governo continuam monitorando a situação", afirma.
Pressão no Peru e risco de genocídio
Segundo Priscilla Oliveira, pesquisadora da ONG (Organização Não-Governamental) Survival International, a preocupação é grande porque, do lado peruano, onde o povo Mascho Piro costuma passar mais tempo — especificamente na região de Madre de Dias —, parte do território ficou desprotegida após concessões para empresas explorarem madeira.
A partir de julho deste ano, conflitos começaram a ocorrer. Depois, mais aparições de grupos de indígenas Mascho Piro foram registradas na borda da área onde vivem.
"O povo Mascho Piro e os madeireiros que estão atuando no território já tiveram pelo menos dois conflitos, que resultaram em feridos e mortes. A situação ali no Peru está bem tensa. A gente não pode afirmar com certeza que essas pressões estão fazendo com que eles apareçam no Brasil, mas também não descarto a possibilidade", diz Oliveira.
Por conta desses conflitos, a organização indígena do Peru acionou a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), e o governo peruano vai responder por violações dos direitos do povo indígena. "A Survival está pedindo que a Funai e autoridades federais trabalhem em conjunto com as autoridades responsáveis do lado peruano", afirma Oliveira.
A pesquisadora afirma que um eventual encontro entre os povo Mascho Piro e Manchineri seria extremamente perigoso. "Isso pode significar o genocídio, porque eles não têm resistência imunológica a doenças. Então, um simples contato pode acabar adoecendo o grupo inteiro e levando à sua morte", diz.
Em nota, a Sesai (Secretaria de Saúde Indígena), ligada ao Ministério da Saúde brasileiro, diz que tem fornecido "suporte integral ao DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Alto Rio Purus, garantindo a logística, os insumos e os recursos humanos necessários para fortalecer os atendimentos na região". "Uma equipe de saúde foi deslocada com medicamentos imunobiológicos e orientada a intensificar o cordão sanitário, para reduzindo o risco de contágio por doenças transmissíveis", afirma a secretaria.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.