Carlos Madeiro

Carlos Madeiro

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Mães de vítimas da zika criticam veto de Lula a pensão: 'É tudo muito caro'

Gizele Santana, 32, é mãe do pequeno Gabriel, de 9 anos, uma das vítimas da síndrome congênita associada ao vírus da zika. Eles moram em Simões Filho (BA) e lutam desde 2015 para ter acesso ao tratamento e às terapias que reduzem os impactos da doença.

"É tudo muito caro. Só uma adaptação na cadeira de rodas custa R$ 3.000. A gente estava esperando essa pensão sair para poder pagar", conta.

A pensão citada por Gizele foi aprovada pelo Congresso Nacional em 2024 e daria um benefício vitalício de um teto do INSS às famílias das vítimas, mas foi vetada pelo presidente Lula na última quarta-feira "por contrariedade ao interesse público e por inconstitucionalidade" (leia mais abaixo).

No lugar, Lula estabeleceu uma indenização, paga de uma vez, de R$ 60 mil. A medida, porém, desagradou as mães por ser um valor baixo perto dos gastos necessários para essas crianças.

Não estamos falando de uma coisa que vai fazer um mês e vai parar: é a vida toda de remédio, terapia e tratamento, até que a gente consiga trazer as terapias para casa. Mas isso tem um alto custo porque precisa montar um quartinho com os aparelhos necessários e trazer terapeutas para casa. Não tem como fazer.
Gizele Santana

A mãe conta que recebe hoje o valor da pensão especial de um salário mínimo (R$ 1.518), aprovada em 2020, mas que o valor "não paga sequer os remédios." Além disso, faz um trabalho home office que lhe rende outro salário mínimo.

A renda não faz frente às necessidades de Gabriel, que toma remédios para convulsão, refluxo, além de relaxante muscular e laxante. Fora isso, há diversas órteses necessárias. Gizele diz que nada disso é coberto pelo SUS.

Para não depender do SUS, ela conta que decidiu fazer um esforço e pagar um plano de saúde para Gabriel, já que não viu bons resultados na terapia oferecida na rede pública.

"Ele tinha 30 minutos de terapia, uma vez na semana, para tentar ter alguma melhora. É como uma criança estudar meia hora uma vez na semana: nunca vai aprender. A mesma coisa é terapia, que precisa ser intensiva", compara.

Continua após a publicidade
Óculos usado por bebê que nasceu com síndrome de zika
Óculos usado por bebê que nasceu com síndrome de zika Imagem: Adriana Zehbrauskas/The New York Times

Mesmo com o plano particular, ela conta que não tem sido fácil: para ter o tratamento do filho, Gizele entrou na Justiça e conseguiu uma liminar que obriga a operadora a arcar com parte dos custos das terapias. "Eu tenho o extrato aqui, o valor mensal que o plano paga é de R$ 12.700 por mês" diz.

Por conta da demora em conseguir acesso pelo plano, ela acabou se endividando. "A gente tem uma dívida na clínica de meses anteriores que nunca foram pagas e que já está quase em R$ 100 mil", relata.

Gizele também tem uma decisão favorável, no caso contra a Prefeitura, para ter direito a receber alimentação especial para a dieta de Gabriel.

Ela conta que está trabalhando de forma remota, mas diz que não vai conseguir seguir dessa forma.

Eu preciso ter tempo para meu filho, pegar no colo, mudar de posição, dar comida, trocar fralda, dar banho... Eu não posso ficar parada 6 horas trabalhando sem tocar meu filho, e não tenho quem me auxilie.
Gizele Santana

Continua após a publicidade

Assim como outras mães, ela não esconde a tristeza de ver o veto do presidente Lula.

Nem todo o dinheiro de reparo do mundo vai tapar esses buracos que há nove anos a gente vem tentando tapar para manter qualidade de vida dele. Mas, com dinheiro, a gente consegue pelo menos tornar a vida dele um pouco melhor.
Gizele Santana

Custos acima de R$ 4 mil

Denyelle, filha de Driely Checcucci
Denyelle, filha de Driely Checcucci Imagem: Arquivo pessoal

Driely Checcucci, 36, é mãe de Denyelle, de 9 anos. Eleas moram em Salvador e também sofrem com os mesmos problemas. Para ela, os R$ 60 mil de indenização mal dão para custear os equipamentos que a menina precisa.

A filha precisa, por exemplo, de um parapódio, aparelho que faria Denyelle ficar em pé e bem posicionada, e que custa R$ 43,8 mil. Já a cadeira de rodas adaptada não sai por menos de R$ 5,5 mil.

Continua após a publicidade

Ao UOL, ela faz uma conta básica só dos custos mensais fixos de Denyelle, que passam da casa dos R$ 4 mil — e nessa conta entram os R$ 1.200 do plano de saúde.

Sem contar outras necessidades extras, que são frequentes, já que Denyelle não anda, não fala e não senta. "Eu hoje sou as mãos, as pernas dela: eu quem dou a alimentação, o banho."

Ela precisa de órtese de mão, órtese de pé, óculos e medicações para diminuir as crises convulsivas, para os músculos, para dormir e para diminuir a espasticidade [rigidez]. Sem contar que precisa de fórmulas [alimentícias], por conta do baixo peso.
Driely Checcucci

Desde que Denyelle nasceu, a vida de Driely mudou totalmente. "Eu tinha uma vida, uma rotina. Hoje eu me vejo como cuidadora dela. Meu tempo é 100% da minha filha", diz.

A mãe não esconde a revolta e a frustração com a negativa do governo Lula em garantir uma pensão após quase uma década de luta e articulação em Brasília.

Eles [governo] foram avisados que precisavam combater o mosquito, e isso não foi feito. O governo foi negligente, e hoje a gente vive com crianças que têm necessidades especiais. Arcamos com essas crianças há nove anos e até hoje o governo não fez nada em reparação.
Driely Checcucci

Continua após a publicidade
Bebê com microcefalia é examinado na USP, em 2016, ano em que casos da doença explodiram no país
Bebê com microcefalia é examinado na USP, em 2016, ano em que casos da doença explodiram no país Imagem: Nacho Doce - 28.abr..2016/Reuters

Entenda o veto

Segundo o veto publicado, o projeto afronta a Lei de Responsabilidade Fiscal e a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2025.

"Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, pois cria despesa obrigatória de caráter continuado e benefício tributário e amplia benefício da seguridade social, sem a devida estimativa de impacto orçamentário e financeiro, identificação da fonte de custeio, indicação de medida de compensação e sem a fixação de cláusula de vigência para o benefício tributário", diz o texto.

Lula ainda cita na mensagem ao Congresso que, ao dispensar reavaliação periódica dos pacientes, a proposição "diverge da abordagem biopsicossocial da deficiência, contraria a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e cria tratamento não isonômico em relação às demais pessoas com deficiência."

O governo ainda alega que o projeto tem vício de inconstitucionalidade ao não apresentar "estimativa do impacto orçamentário-financeiro correspondente e previsão de fonte orçamentária e financeira necessária à realização da despesa ou previsão da correspondente transferência de recursos financeiros necessários ao seu custeio."

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.