Concessionária põe 'pedágio' para chegar à Vila de Jeri e gera indignação

A comunidade da Vila de Jeri está indignada e se organizou para tentar barrar a cobrança para chegar e permanecer no local. A polêmica envolve a concessão do Parque Nacional de Jericoacoara: a empresa vencedora do leilão, a Urbia, iria começar a cobrar R$ 50 a partir de 20 de dezembro; mas após protestos, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) adiou para março esse início a fim de tentar uma solução.
A questão não está na cobrança diária por acesso ao parque em si, mas ao "efeito colateral" que ela gera: para chegar à Vila de Jeri —que é um dos destinos mais badalados do Nordeste— só existe acesso terrestre por dentro do parque, o que ensejaria a cobrança de todas as pessoas que quiserem ir a vila, exceto moradores e familiares.
"O que eles estão fazendo, na verdade, é instituir um pedágio", reclama a presidente do Conselho Comunitário de Jericoacoara, Lucimar Vasconcelos.
Ela lembra que a Vila de Jeri, apesar de estar dentro do parque, não faz parte dele e tem gestão independente e municipalizada. O contrato do ICMBio com a concessionária prevê a gestão por 30 anos do parque, e o ingresso diário tem previsão de mais de dobrar de preço em cinco anos, passando a R$ 120 ao dia em 2029.

A preocupação é que a cobrança de ingresso, além de "injusta", irá desmotivar turistas e amigos de moradores que pensam passar longos períodos na vila, como os velejadores, que seriam obrigados a pagar por cada dia que permanecesse no local —mesmo sem ir ao parque.
"É como você morar num prédio, e o síndico diz que o visitante tem de pagar para usar o elevador", compara.
Para refutar a ideia, cita como exemplo outros grandes parques que a concessionária tem, como o Ibirapuera e das Cataratas.
Nada contra a concessão do parque, mas essa é uma relação da empresa com o ICMBio, isso não pode repercutir na vila. Por exemplo: quem vai a Foz do Iguaçu (PR), paga apenas se quer visitar o Parque das Cataratas; não começou a pagar para chegar ou por ficar na cidade. Por que aqui será assim?
Lucimar Vasconcelos
Pegos de surpresa
Lucimar reclama ainda que a comunidade foi pega de surpresa com a cobrança só pela passagem e alega que só soube disso após a concessionária fazer o anúncio por meio do Instagram, em novembro. "Ninguém nos chamou para conversar sobre isso. Nas audiências públicas, estava claro que a cobrança seria só para quem fosse visitar o parque, nunca para quem vem para cá", afirma.
A presidente do conselho alega que de olho em faturar mais, a empresa já oferece em sua página pacotes para vários dias de estadia no parque —que reduzem o valor pago por dia. "Mas ninguém dorme no parque! O que o turista faz é ir algumas vezes aos atrativos dentro do parque, como a pedra furada. Mas os hóspedes ficam na vila, não é justo que paguem sem usar".

Nesta segunda-feira (20), o conselho afirma que vai levar o relato do caso até o MPF (Ministério Público Federal) para que tome providências e tente impedir, na Justiça, a cobrança.
A Prefeitura de Jijoca de Jericoacoara, porém, já tem uma ação questionando a ação que corre na Justiça Federal contra a Urbia e o ICMBio pela cobrança a quem vai apenas passar pelo parque.
Como solução, a comunidade tem duas ideias: "Ou fazem uma cobrança separada para quem vai aos passeios do parque, ou faz uma via de acesso exclusiva para que as pessoas possam chegar. Imagina um morador chamar um visitante para passar uns dias, e ele ser cobrado pelos dias que ficar, sem ir ao parque?"
Por fim, ela afirma que uma análise jurídica aponta que a concessão, dos moldes como quer ser operada, é ilegal já que fere o direito de ir e vir das pessoas que querem apenas chegar à vila. "Além disso, ela pretende fazer cobrança presumida, como se a pessoa fosse todos os dias no parque."

Empresa defende cobrança
A Urbia parques venceu o edital da concessão que previa a exploração do parque. Assinado em 11 de junho de 2024, o contrato teve pagamento de outorga inicial no valor de R$ 61 milhões.
Procurada, a Urbia Parques informou que a demanda deveria ser encaminhada ao ICMBio e não quis falar com a coluna.
Em manifestação Justiça dentro da ação civil pública da Prefeitura, porém, a empresa comentou assunto e defendeu a cobrança do acesso à vila.
Importante mencionar que a licitação do referido contrato de concessão foi precedida de audiências públicas, com participação do Município de Jericoacoara, que jamais se opôs ao projeto, tampouco à cobrança de ingressos para visitantes da Vila de Jericoacoara, embora o tema tenha sido abordado diretamente.
Urbia
A empresa diz que a Procuradoria do Município, em audiência de 25 de abril de 2022, não se opôs à cobrança de ingressos, "apenas ressalvou a gratuidade para moradores."
O pedido foi não apenas atendido, mas inclusive ampliado, prevendo-se a gratuidade também para trabalhadores e familiares dos moradores, esses últimos conceituados como "frequentadores", conforme glossário anexo ao edital da licitação.
Urbia

Em nota, o ICMBIo afirma que o tema está sendo discutido no Comitê de Transição da Operação dos Serviços Concessionados de Apoio à Visitação do Parque Nacional de Jericoacoara, que tem a participação do órgão e da Urbia. O texto, porém, não fala especificamente sobre a cobrança pela passagem pelo parque.
Sobre a concessão do parque, diz que ela busca "um equilíbrio entre a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável." "A iniciativa foi construída com a participação social, mediante consultas e audiências públicas. O projeto passou por análise dos órgãos de controle e fiscalização, garantindo a legitimidade do processo", afirma.
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