Carlos Madeiro

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'Efeito Pix': como crise afetou popularidade de Lula no Nordeste

O presidente Lula teve um tombo inédito na avaliação de seu governo no Nordeste, região que historicamente vem lhe dando as maiores votações e as melhores taxas de popularidade.

Para analistas políticos ouvidos pela coluna, a queda é fruto principalmente da crise do "efeito Pix", que teria atingido em cheio a região por conta de suas características econômicas.

De acordo com a pesquisa Quaest divulgada nesta segunda-feira (27), apesar de o Nordeste ainda ser a região onde Lula tem maior aprovação, foi lá que houve a maior perda, com queda de 67% para 60%, entre dezembro de 2024 e janeiro deste ano. Já a desaprovação saltou de 32% para 37% no período. Outros 4% não quiseram ou não souberam responder.

Segundo Luciana Santana, cientista política e professora da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), a crise do Pix veio em meio a uma "onda de desencontro de informações do governo nos últimos meses." "E estamos falando de coisas que afetam diretamente a população", afirma.

A forma como a medida foi divulgada, sem ser acompanhada de uma linguagem didática e compreensível à população, afetou muito o Nordeste, porque aqui tem muitas pessoas na informalidade, que complementam a renda com bicos.
Luciana Santana, cientista política (Ufal)

Lula discursa ao participar de um ato de apoio a Danilo Cabral (PSB), candidato derrotado ao governo de Pernambuco, em Garanhuns em 2022
Lula discursa ao participar de um ato de apoio a Danilo Cabral (PSB), candidato derrotado ao governo de Pernambuco, em Garanhuns em 2022 Imagem: Antônio Albuquerque/Código19/Estadão Conteúdo

Bomba armada pelo governo

A socióloga Monalisa Torres, da UECE (Universidade Estadual do Ceará), afirma que a crise do Pix foi "como uma bomba" para Lula no Nordeste. "Foi o próprio governo que armou essa bomba, que não teve traquejo para prever os desdobramentos. Isso, óbvio, favoreceu muito a oposição", diz.

Entretanto, ela afirma que um impacto desse tamanho só foi possível porque o governo enfrenta uma crise de confiança da população. Um exemplo que Monalisa cita é a 'taxa das blusinhas". "Ele disse que não ia taxar, mas acabou taxando".

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Aí nesse meio o preço da cesta básica e o custo de vida do trabalhador aumentaram. As pessoas notam que não houve melhoras tão expressivas na vida [com a chegada de Lula ao poder], e isso vai se acumulando, produzindo um conjunto de desconfianças e piorando a avaliação do governo. Por isso a polêmica do Pix teve tanta visibilidade.
Monalisa Torres, socióloga (UECE)

A socióloga lembra que um fator importante também é que o eleitor de Lula no Nordeste não é majoritariamente formado por um público progressista, que se alinha ideologicamente ao governo; mas sim de cidadãos beneficiados por programas sociais criados por ele. "Esse eleitorado é aquele beneficiado com o Bolsa Família, com o Minha Casa, Minha Vida e com a expansão das universidades públicas", cita.

Quando Lula se elege em 2022 com discurso de que vai diminuir o preço o da cesta básica, que o povo vai voltar a comer picanha e tomar cerveja no domingo, que vai melhorar a vida dos trabalhador -- e isso na prática não se realiza --, esse eleitor começa a não mais avaliar tão positivamente o governo. Passa a não 'comprar' todas as polêmicas que o governo se envolve. Ele é um eleitor de racionalidade.
Monalisa Torres, socióloga (UECE)

Ato público no Centro de Convenções de Maceió (AL) durante pré-campanha em junho de 2022
Ato público no Centro de Convenções de Maceió (AL) durante pré-campanha em junho de 2022 Imagem: Carlos Madeiro/UOL

'Brasil agora é outro'

Em meio a esse cenário de queda de popularidade, o cientista político Adriano Oliveira, professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e da consultoria "Cenário Inteligência", afirma que Lula precisa se acostumar hoje a enfrentar um cenário diferente de seus governos anteriores, quando surfava em excelente avaliação.

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Um outro ponto é que surgiu um novo Brasil, formado por empreendedores fruto do próprio lulismo e a emancipação das classes C e D. Hoje, eles querem mais: já conquistaram aumento no salário, muitos conquistaram ensino superior, uma casa própria, e foram empreender. Lula e o PT não falam para os empreendedores.
Adriano Oliveira, cientista político (UFPE)

Para Oliveira, a crise do Pix reforça a ascensão desse público, muito associado ao bolsonarismo, e deve impedir Lula de alcançar índices de aprovação parecidos ao do segundo mandato "Isso independentemente do desempenho da economia", afirma.

Luciana Santana alega que uma reversão desse cenário de queda na região também passa por uma melhora na forma como o governo comunica dados e políticas.

Vários indicadores do Brasil hoje são positivos, diferentemente do que a gente tinha há alguns meses: a taxa de desemprego é a menor dos últimos anos, o PIB é maior. O governo precisa encontrar uma estratégia para se comunicar melhor, falando a linguagem da população.
Luciana Santana, cientista política (Ufal)

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