STJ anula decisões da Justiça de AL e enterra tese do 'racismo reverso'
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A Sexta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu, em votação nesta terça-feira (4), anular as decisões da Justiça de Alagoas, em primeira e segunda instâncias, que aceitaram denúncia movida pelo MPAL (Ministério Público de Alagoas) de injúria racial praticada por um homem negro que ofendeu um italiano branco com referências à cor da sua pele.
A decisão dos ministros foi trancar a ação por meio de um pedido de habeas corpus, e assim STJ afasta do judiciário brasileiro a possibilidade de reconhecimento da tese do "racismo reverso".
O caso em questão ocorreu em 6 de julho de 2023, em Coruripe (AL), quando um homem negro disse ao italiano que "essa cabeça branca, europeia e escravagista não deixava enxergar nada além dele mesmo". A defesa do réu foi feita pelo Ineg (Instituto do Negro de Alagoas). A preocupação pelo avanço da tese do racismo reverso levou a DPU (Defensoria Pública da União) a produzir uma nota técnica contra o argumento no Judiciário nacional.
"No caso concreto, o STJ determinou a nulidade de todos os atos processuais relacionados à investigação da suposta conduta criminosa. Agora, a ação penal que corre na vara de Coruripe é trancada, o que determina na prática a sua extinção", explica o advogado Pedro Gomes, do Ineg.
Ilegalidade flagrante
O relator do pedido de habeas corpus no STJ, ministro Og Fernandes, classificou a tese do racismo reverso como uma "ilegalidade flagrante." Na leitura de seu voto, ele lembrou que a tipificação de injúria racial visa "proteger grupos minoritários historicamente discriminados."
A interpretação das normas deve considerar a realidade concreta e a proteção de grupos minoritários, conforme diretrizes do Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial do CNJ [Conselho Nacional de Justiça].
Og Fernandes

O relator mencionou também a Lei 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Segundo ele, a norma afirma que deve se tratar como discriminatória "qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência".
"Embora não haja margem à dúvida na norma sobre o item, é preciso rechaçar qualquer concepção tendente a conceber a existência do denominado racismo reverso", disse.
Racismo é um fenômeno social concebido no conceito histórico do século 16, notabilizando-se a partir de invasões, espoliações e dominação dos povos europeus, especialmente àqueles que viviam na América, África e Ásia. Assim, a estigmatização humana foi uma forma de inferiorizar e escravizar todos aqueles que foram considerados inferiores, por aqueles que se apresentaram como colonizadores.
Og Fernandes
Ainda para o relator, a expressão "grupos minoritários" não se refere ao contingente populacional de determinada coletividade, "mas àqueles que, ainda que sejam numericamente majoritários, não estão igualmente representados nos espaços de poder, público ou privado, que são frequentemente discriminados inclusive pelo próprio Estado e que, na prática, têm menos acesso ao exercício pleno da cidadania."
A conquista é histórica. Com o brilhante voto do Ministro Og Fernandes, ficou claro que o chamado racismo reverso é uma figura juridicamente impossível para o ordenamento jurídico brasileiro. Apesar de ser um caminho longo, sabíamos que ao chegar no STJ, onde o debate teria repercussão e seria analisado com a profundidade que o caso merecia, teríamos a decisão do trancamento da ação. Essa vitória não é apenas dos nossos clientes, que na realidade são as verdadeiras vítimas de todo este caso, mas da população negra brasileira. A partir de agora, temos jurisprudência majoritária sobre o caso.
Pedro Gomes, advogado do Ineg
Entenda o caso

O caso chegou à Justiça de Alagoas em setembro de 2023, quando um italiano foi à Justiça com uma queixa-crime contra um homem negro de Coruripe, no litoral de Alagoas. Em diálogo pelo WhatsApp em 6 de julho, ele disse ao estrangeiro que "essa cabeça branca, europeia e escravagista não deixava enxergar nada além dele mesmo".
O caso foi para análise do MP porque, com a sanção da lei nº 14532/2023 (que tipifica a injúria racial ao crime de racismo), de janeiro do ano passado, a ação penal passou a ser pública — ou seja, só o MP pode fazer a denúncia de um suspeito.
Em janeiro daquele ano, a promotora Hylza Paiva Torres de Castro decidiu fazer uma denúncia ao homem negro por "crime de injúria racial". O juiz Mauro Baldini aceitou denúncia.
Em maio, a Câmara Criminal do TJ-AL (Tribunal de Justiça de Alagoas) negou recurso do Ineg para trancar a ação e manteve o homem negro como réu no processo. Foi aí então que o caso chegou ao STJ.
O que diz a lei
A Lei Nº 7.716, de 1989, que define os "crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor" no país, diz em seu artigo 20-C:
Na interpretação desta lei, o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.
Lei 7.716
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