Carlos Madeiro

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Reportagem

Maior controle aéreo levou cocaína a rios amazônicos há 20 anos, diz estudo

O avanço no controle aéreo e uma política de abate de aviões ilegais a partir de 2004 no Brasil levaram criminosos a mudarem a rota do tráfico de cocaína na Amazônia do ar para os rios. Isso expôs comunidades ribeirinhas à presença de organizações armadas e a um aumento de violência.

A conclusão está no estudo "Aterrizando na água: interdição aérea, tráfico de drogas e violência na Amazônia brasileira", do projeto Amazônia 2030.

Segundo o estudo, as mudanças tornaram o tráfico aéreo mais perigoso —e por isso mais caro—, e os traficantes buscaram então uma soluções mais simples. Foi a partir daí que eles viram os rios como uma possibilidade de escoar a cocaína.

O que houve em 2004?

Segundo Rodrigo Soares, um dos autores do estudo e professor do Insper, o marco do ano de 2004 está ligado à inauguração do Cindacta 4, um sistema do DECEA (Departamento de Controle do Espaço Aéreo) da FAB (Froça Aérea Brasileira).

Desde então, ele gerencia e controla o tráfego aéreo na região amazônica. "Antes havia um apagão na região, os aviões sumiam dos radares", relata.

Também a partir de 2004, a legislação brasileira passou a permitir o abate da FAB a aviões ilegais na região de fronteira.

Avião clandestino abatido no Amazonas, em outubro de 2024, e que transportava cocaína
Avião clandestino abatido no Amazonas, em outubro de 2024, e que transportava cocaína Imagem: Divulgação/PF

Mais violência

O estudo aponta que entre os anos 2000 a 2019 a taxa de homicídios na região quase dobrou. Destrinchando dados, a pesquisa estipulou que 27% dos assassinatos nos municípios impactados nos rios podem ser atribuídos a esse tráfico, o que corresponde a 1.430 mortes adicionais entre 2005 e 2020.

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A maioria dos homicídios ocorre fora das residências, envolvendo armas de fogo, e afeta predominantemente homens jovens. O impacto é mais pronunciado entre homens com 20 a 49 anos, mas também houve um aumento em homicídios de adolescentes e jovens adultos. Além disso, os dados não mostram aumento significativo de homicídios relacionados a conflitos fundiários, sugerindo que o impacto é mais diretamente associado ao tráfico de drogas.
Estudo "Aterrizando na água"

A pesquisa aponta que o tráfico usa cinco grandes afluentes do rio Amazonas, que têm origem nos Andes e conectam áreas produtoras de cocaína aos centros urbanos, como Manaus.

Rotas fluviais descritas na Amzônia
Rotas fluviais descritas na Amzônia Imagem: Reprodução/Estudo "Aterrizando na água"

Impactos sociais

Rodrigo diz que a chegada do tráfico teve impactos sociais, como a cooptação de barqueiros atraídos para fazer o transporte da drogas e o envolvimento de jovens para atuar para os grupos.

A grande preocupação é que essas comunidades caminhem na direção de serem controladas por facções, como há regiões nas grandes cidades. Já ouvimos relatos desse tipo de controle, apesar de não estar bem documentado. Aprofundar esse entendimento é fundamental para desenhar uma política pública para esses lugares.
Rodrigo Soares

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Rodrigo explica que a exploração das rotas começou por grupos menores e, ao longo dos tempos, foi atraindo grupos maiores até a chegada para atuação de facções como CV e PCC.

"Grupos menos estruturados começaram. As rotas foram se consolidando e se mostrando lucrativas, e o interesse e presença das facções foram crescendo a partir de meados de 2010", diz Rodrigo, que é pesquisador nas áreas de desenvolvimento econômico, saúde, demografia econômica e crime.

Com a chegada das facções, passou a haver um aumento de mortes por disputas por territórios.

Hoje o entendimento que temos é que é uma rota em disputa, não possui um grupo dono.
Rodrigo Soares

O estudo aponta quatro ações que podem ajudar a reduzir o problema:

  • FORTALECER O MONITORAMENTO DAS ROTAS FLUVIAIS: Dada a transferência do tráfico para as rotas fluviais, é necessário aumentar a fiscalização e monitoramento nessas vias, utilizando tecnologia de ponta, como drones e radares móveis, além de melhorar a coordenação entre os órgãos de fiscalização.
  • PROMOVER A EDUCAÇÃO E CAPACITAÇÃO NAS COMUNIDADES LOCAIS: Para mitigar o envolvimento das comunidades no tráfico de drogas, é fundamental oferecer programas de educação e capacitação profissional que forneçam alternativas econômicas sustentáveis e combatam a vulnerabilidade das populações locais.
  • INVESTIR EM ALTERNATIVAS SUSTENTÁVEIS PARA A REGIÃO: Promover o desenvolvimento sustentável por meio de alternativas econômicas, como a certificação de produtos florestais e a promoção da bioeconomia, de modo a oferecer fontes de renda que não dependam do tráfico de drogas.
  • AMPLIAR A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL: Fortalecer a cooperação com os países vizinhos, principalmente na região andina, para garantir uma abordagem coordenada no combate ao tráfico de cocaína, com maior troca de informações e práticas de segurança transnacional.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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