Como praias de CE e RN viraram receptoras de lixo de navios e até da África
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Ceará e Rio Grande do Norte enfrentam um problema ambiental que vem crescendo ao longo dos anos e preocupa cada vez mais ambientalistas: a chegada de lixo pelo mar.
Parte desse material vem de outros continentes, em especial a África, favorecido pelas correntes marítimas que empurram o lixo para chegar à esquina nordeste do país.
Já outros lixos são fruto de descarte de navios cargueiros, que já perto da costa brasileira jogam material no mar. Nesse caso, os asiáticos são os maiores poluidores.
A coluna conversou com entidades que pesquisam o problema nos dois estados. "Hoje, 30% de todos os resíduos de nossas praias são estrangeiros", diz Lucas Gabriel Veríssimo, presidente da Associação de Proteção e Conservação Ambiental Cabo de São Roque, ONG que atua no litoral potiguar.
"A gente vem observando esse lixo internacional desde 2018, e começamos um monitoramento em 2019 para saber qual o tipo de lixo e de onde ele vem", conta ele, que lidera uma ONG que faz mutirão de limpezas nessas praias.

Lucas afirma que a análise apontou para quatro praias entre as que mais chegam resíduos:
- Muriú (em Ceará-Mirim),
- Cabo de São Roque (Maxaranguape)
- Búzios (Nísia Floresta).
- Segredo (Natal)
As praias, com exceção de Búzios, se destacam por serem menos urbanizadas e são menos frequentadas. Diferente de outras, elas não têm coleta seletiva ou garis com frequência. E esse lixo então vai sendo levado para essas pontas de enseada. No caso de Búzios, o mar empurra porque ali é um local mais fundo.
Lucas Gabriel Veríssimo
Durante esses quase seis anos de coleta, ele conta que a maioria do lixo recolhido vem de países asiáticos, como China, Malásia e Cingapura. "Mas não se restringe só de lá: também já encontramos lixo de países europeus e norte-americanos."
Segundo ele, 90% do que é achado no litoral potiguar são garrafas plásticas. "Os produtos vão desde refrigerante a energéticos, água mineral e molho shoyu. Não são garrafas vazias, mas ainda com líquido dentro e lacradas."
Navios jogam para pagar menos
A principal hipótese para a chegada desse lixo está em uma questão relativa à cobrança dos portos para descarte de resíduos do navio. Como as embarcações pagam por quantidade descartada, muitos deles preferem jogar restos no oceano e assim economizarem.
A gente percebe isso pelo rótulo material pouco degradado e ainda com rótulo intacto. Ou seja, são produtos novos, não utilizados e que foram descartados no mar poucos dias antes de chegar na praia. Muitos navios cargueiros passam pelo nosso litoral, um fluxo intenso vindo da Ásia.
Lucas Gabriel Veríssimo
Isso gera, segundo ele, poluição com danos à saúde ambiental e até risco para frequentadores —visto que entre os resíduos podem estar contaminantes. "Sem contar vários animais marinhos utilizam essa região e que podem estar ingerindo esse material.
Essa região é o maior bolsão de desovas para as tartarugas marinhas de pente. Temos hoje 236 ninhos encontrados, podendo chegar a 500 ao final da temporada. Esse lixo não só pode ser ingerido como, em contato com os ovos, podem aumentar a sua temperatura e fazer com que não eclodam.
Lucas Gabriel Veríssimo

Correntes trazem lixo da África
Segundo o professor Carlos Teixeira, do Labomar (Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará), o lixo citado por Lucas é apenas uma das formas dele chegar a praias nordestinas.
Se um navio joga lixo no mar próximo à costa, as correntes costeiras que irão trazer o material para a praia. Mas há dois sistemas: há outra que age no oceano profundo e pode trazer coisas de maiores distâncias.
Carlos Teixeira
Nesse caso, os dois estados nordestinos acabam sendo as maiores vítimas por conta da corrente sul equatorial, que traz a água na direção do Brasil. "Foi essa corrente que trouxe materiais como o óleo e os fardos", explica.
Nós sabemos que há transporte de longa distância de lixo de outros países, ou mesmo lixo que se encontra no meio do oceano, para as praias brasileiras via correntes oceânicas. No Ceará, por exemplo, provamos num estudo recente que material do Congo pode chegar aqui.
Carlos Teixeira

O estudo citado por Teixeira, o qual ele fez parte, investigou a origem da poluição plástica nas praias do Nordeste em 2022, fazendo análise de marcas e modelagem numérica. A pesquisa identificou mais de 1.000 itens plásticos nas praias de Jericoacoara, Porto das Dunas e Praia do Futuro, no Ceará.
A pesquisa identificou marcas e empresas africanas responsáveis por grande parte desse lixo, respondendo por 78,5% do total. Desse material, praticamente 80% eram tampas de garrafas, que cruzam o Atlântico para chegarem até a costa nordestina, seguidas por potes de cosméticos e alimentos, que somaram 16% do total.
A análise mostrou que a maior parte do material plástico tinha como origem o rio Congo (o segundo maior da África, com 4.700 km e que desemboca no Atlântico).
Segundo Tommaso Giarrizzo, também do Labomar, as pesquisas hoje estão concentradas em descobrir mais informações pelas marcas desses materiais que chegarm. "Queremos saber a origem geográfica do produto e entender se é apenas levado pelas correntes ou é despejado no mar durante a navegação de navios. Estamos fazendo no Ceará há mais de um ano", diz.
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