Carlos Madeiro

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Reportagem

Ataques a provedores geram apagões de Internet e miram criar 'CV Net' no CE

O estado do Ceará vem registrando, nos últimos dias, uma série de ataques criminosos contra provedoras de internet, que geraram "apagões" do serviço em regiões controladas pela facção CV (Comando Vermelho). A ideia é vender nesses locais um serviço exclusivo e próprio de internet, a chamada "CV NET".

Segundo apurou a coluna, a facção tenta consolidar um modelo similar ao adotado pelo crime em territórios ocupados do Rio de Janeiro (estado de origem da facção), com a oferta e cobrança por serviços.

Para estabelecer à força essa regra, o CV tem praticado ações criminosas contra provedores que atuam nessas regiões, como corte de fios, destruição de caixas de transmissão e até ataque a tiros a lojas e carros dessas empresas. Nem funcionários escapam da violência.

Em menos de 20 dias, foram pelo menos 10 casos registrados no estado. O primeiro deles, dia 22 de fevereiro, dois carros da operadora Brisanet foram incendiados no bairro Jacarecanga, periferia de Fortaleza. A partir daí, os casos passaram a ocorrer com frequência, e até trabalhadores foram vítimas, sendo obrigados a darem as fardas para serem queimadas.

O problema escalou a ponto do governador Elmano de Freitas (PT) criar um grupo especial de investigação sobre esses atos criminosos. Ele gravou um vídeo após reunião com as forças de segurança no sábado e garantiu que os suspeitos "serão presos um a um, podem ter certeza". "Esses bandidos irão pagar na Justiça por esses atos criminosos."

O governo anunciou que 17 pessoas foram presas nesta quarta-feira (12) pelos ataques.

Ataques

A comissão foi anunciada no último sábado, data em que a cidade de Caridade sofreu um "apagão" de internet por causa de um ataque.

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Segundo provedores locais, criminosos arrancaram cabos e quebraram caixas de transmissão de internet instaladas em postes na cidade, o que deixou pelo menos 90% dos moradores sem o serviço.

Nesta terça-feira, pelo menos dois novos ataques foram registrados no município de Caucaia (Região Metropolitana de Fortaleza). Foram casos de fios cortados, carro apedrejado e uma loja alvejada por tiros. A cidade já contabiliza cinco casos.

Uma das lojas alvo foi a do provedor A4 Telecom, que anunciou em nota que os ataques recentes "comprometeram a segurança de nossas operações". "Comunicamos que nossos serviços em algumas regiões estão temporariamente suspensos."

A Brisanet, maior operadora do estado, afirma que "acompanha de perto a situação e vem adotando protocolos para garantir a segurança física e emocional de seus colaboradores".

As empresas responsáveis pelo serviço afirmam que já pediram a autoridades, mas enfrentam dificuldades para atuar em algumas regiões. Para tentar amenizar o risco aos funcionários, algumas estão usando carros descaracterizados e técnicos sem fardas. Mesmo assim, os trabalhadores têm alegado medo de irem até locais em que houve ataques.

O UOL tentou contato com a Uniproce (Associação dos Provedores do Ceará), mas não obteve retorno.

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um dos carros da operadora Brisanet incendiados no bairro Jacarecanga, m Fortaleza, no primeiro dos ataques, dia 22 de fevereiro
um dos carros da operadora Brisanet incendiados no bairro Jacarecanga, m Fortaleza, no primeiro dos ataques, dia 22 de fevereiro Imagem: Reprodução

Sigilo nas investigações

As investigações sobre os ataques a provedores são mantidas em sigilo pelas autoridades, que não dão detalham nem os casos.

Em nota ao UOL, a SSPDS (Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social) informou que os ataques estão sendo apurados pela Draco (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas), com o apoio da Coordenadoria de Inteligência da pasta. "A população pode contribuir com as investigações repassando informações que auxiliem os trabalhos policiais", diz.

As informações podem ser direcionadas para o número 181, o Disque-Denúncia da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), ou para o (85) 3101-0181, que é o número de WhatsApp, pelo qual podem ser feitas denúncias via mensagem, áudio, vídeo e fotografia ou ainda via "e-denúncia", o site do serviço 181, por meio do endereço eletrônico: https://disquedenuncia181.sspds.ce.gov.br/.
SSPDS

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Também em nota à coluna, o MP-CE (Ministério Público do Estado do Ceará) afirmou que os casos têm sido investigados pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas) e que têm acompanhado as investigações da polícia para "adotar as medidas cabíveis".

"No entanto, não vai se manifestar no momento para não atrapalhar o curso das investigações", diz.

Carro de provedora de Internet atacado em Caucaia
Carro de provedora de Internet atacado em Caucaia Imagem: Reprodução

Ações para controlar serviços

A CV é uma das facções com maior poder no mundo do crime do Ceará e rivaliza com pelo menos outros três grupos: PCC (Primeiro Comando da Capital), TCP (Terceiro Comando Puro) e GDE (Guardiões do Estado), de origem cearense. Além delas, nos últimos anos, vem crescendo um grupo intitulado Massa Carcerária, que seriam rebeldes da hierarquia das maiores facções e se declaram neutros.

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Segundo o sociólogo Luiz Fábio Paiva, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da UFC (Universidade Federal do Ceará), o CV e outras facções têm desenvolvido diversas atividades dentro dos bairros e comunidades que dominam: "A venda de produtos como internet e TV a cabo são alguns", diz.

"A gente suspeita que a facção tenha utilizado essas ameaças justamente para que o grupo forneça [o serviço] para as pessoas ali do bairro", diz.

Não vejo uma estratégia contra grandes empresas, mas sim uma tentativa de controlar um serviço de internet dentro do bairro. Eles sabem como fazer esse serviço, então ele vai no cara que está instalando de qualquer empresa e faz uma ameaça. Esse funcionário vai voltar, chegar na empresa e dizer: 'eu não pude fazer o serviço, não vou colocar a minha vida em jogo'.
Luiz Paiva

Para Alexandre Sales, presidente da Anacrim (Associação Nacional da Advocacia Criminal) no Ceará, o que está ocorrendo no Ceará seria fruto da demora do governo em responder ao avanço das facções, que hoje "tomaram" diversos territórios.

Até pouco tempo atrás, o governador antecessor [Camilo Santana] dizia que não existia facção criminosa no Ceará. O que a gente vê, hoje, são as facções tomando conta, cobrando e extorquindo o comércio. E esse caso atual [dos ataques] é inspirado no modelo miliciano do Rio de Janeiro, que só pode vender o gás se for o deles, a internet se for deles.
Alexandre Sales

Segundo reportagem do jornal Diário do Nordeste, que acompanha a anos o avanço do CV no estado, a facção carioca deu ordens a seus integrantes para roubarem equipamentos necessários para operar a internet clandestina. Isso vem ocorrendo há pelo menos um ano no estado.

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Somente em 2024, 19 equipamentos foram furtados apenas de uma empresa, um prejuízo de cerca de R$ 15 mil. Roubos de cabos e fios também estão sendo apurados.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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