Ceará: Júri nega feminicídio e vê morte a tiros de mulher como sem intenção
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O MP-CE (Ministério Público do Ceará) entrou com recurso para anular um júri popular realizado no último dia quatro e que condenou por homicídio culposo (sem intenção) um homem acusado de matar a esposa com dois tiros dentro de casa em Juazeiro do Norte, em fevereiro de 2024. Ele pegou um ano e três meses de prisão em regime aberto.
Segundo o recurso da 2ª Promotoria de Justiça de Barbalha, a decisão dos jurados "foi manifestamente contrária à prova dos autos" e o caso se tratou, na verdade, de feminicídio (que prevê prisão de 20 a 40 anos). O pedido será analisado pelo TJ-CE (Tribunal de Justiça do Ceará), que pode determinar ou não a realização de um novo julgamento.
O homem acusado estava preso preventivamente desde o dia do crime, mas foi libertado logo após a decisão do júri. A defesa alega que ele não teve intenção de matar a esposa, que se desesperou após o fato e ressaltou que a tese foi acolhida pelos jurados de forma quase unânime.
Diante da decisão soberana do Conselho de Sentença, entendo que, de acordo com a prova produzida em juízo, a conduta do acusado se amolda ao crime de homicídio culposo, uma vez que agiu com imprudência, pois possuía um revólver, não tendo, como confessado, nenhum entendimento sobre armas e após ingerir drogas. Denoto que o réu agiu com culpabilidade reprovável, uma vez que possuía arma irregular.
Trecho da decisão da juíza da 1ª Vara Criminal de Juazeiro do Norte, Carliete Roque Gonçalves Palacio
O que diz a denúncia
A denúncia do MP-CE, a qual o UOL teve acesso, aponta que o caso ocorreu na manhã do dia 5 de fevereiro de 2024. A mulher, diz o laudo pericial, levou dois tiros: um no abdômen e outro no dedo mindinho, "sendo o primeiro, com características de tiro encostado, a causa efetiva da sua morte".
A vítima tinha um relacionamento de cerca de dois anos com o homem, sem filhos. Segundo testemunhas ouvidas, o relacionamento deles era conturbado, "com brigas constantes em razão dos ciúmes" do marido. No dia do crime, inclusive, uma vizinha disse que acusado e vítima estavam discutindo instantes antes.
Após um intervalo de tempo, a depoente [testemunha] estava dormindo e ouviu o disparo vindo do apartamento da ofendida, que ficava no mesmo prédio da testemunha. Momentos depois, o denunciado bateu na porta da casa da depoente pedindo ajuda, ao sair para averiguar, deparou-se com a vítima já atingida por disparo de arma de fogo e caída nas escadas.
MP-CE
Ainda de acordo com a testemunha, o acusado costumava xingar a vítima com palavrões. Além disso, ela também teria presenciado a vítima "chorando desesperadamente alguns dias anteriores ao crime e pedindo socorro".
A mãe da vítima também depôs, dizendo que o relacionamento era conturbado, com inúmeros términos e recomeços.

Confusão e arma dispara
A versão apresentada pelo acusado é que, na noite anterior ao crime, o casal chamou um amigo, e eles beberam juntos até amanhecer o dia, quando o amigo foi embora. Eles teriam consumido drogas também.
Pouco depois, a mulher foi comprar bebidas e cigarro em um mercado, e ao voltar teria pego a arma (que o marido diz ter recebido como pagamento de uma dívida de R$ 4 mil) e colocada embaixo do braço.
O marido conta que, então, tomou o revólver e o colocou em cima da mesa, pedindo em seguida para a esposa ir pegar um isqueiro. Nesse momento, ela teria voltado a pegar a arma, e os dois então ficaram conversando, até que o acusado relata que tentou pegar a arma da mão da mulher.
Os dois então teriam se confrontado para um deles soltar a arma, que teria disparado. "O denunciado, desesperado, abre a porta e tenta descer a escadaria com a esposa. Todavia, os dois acabam caindo. Então o acusado começa a gritar por socorro e a pedir ajuda dos vizinhos", diz o relato dele.
O Samu foi acionado, mas quando chegou ao local, ela já estava morta. A polícia prendeu o homem em flagrante, e a justiça decretou a prisão preventiva.
Outro ponto citado na denúncia é que o acusado se desfez da arma que matou a esposa. Aos policiais, ele informou que tinha jogado a arma em cima do telhado da casa. Entretanto, os agentes vistoriaram "todo o perímetro e nenhuma arma foi encontrada".
"Ele não soube explicar como o disparo foi dado, nem como a arma estava destravada e nem o motivo pelo qual se desfez do revólver. Concluiu, afirmando que jogou a arma do crime por cima das casas e que a vítima nunca usou o revólver antes do fato", alegou o MP-CE ao final da instrução do processo.
Defesa lamenta recurso
O advogado de defesa do homem acusado, Rafael Uchôa, afirma que desde o primeiro depoimento, ainda na delegacia, o homem nega a intenção de matar a esposa e sustenta que o tiro foi acidental. "Quando o laudo técnico saiu, bateu com tudo que ele disse. Então não teria nem como ter mentido", diz.
Ele afirma que a investigação apresenta contradições, e afirma que ao invés de dois tiros, como alega o MP, houve apenas um. "O perito que foi ao local atestou que foi um disparo, mas o médico do IML disse que foram dois. Todas as pessoas ouvidas no processo informaram que só ouviram um disparo", diz.
Outro ponto que ele ressalta é que a postura do homem após o disparo corroboram com a versão.
Ele ficou no local, ligou para a mãe da vítima, para a filha dele e para a polícia. Também ficou esperando a polícia e o Samu chegarem. Todas as pessoas que foram ouvidas informaram que ele estava desesperado por socorro, em estado de pânico. Foi tudo muito bem explanado, muito bem transmitido para todos os jurados. Praticamente todos os jurados concordaram com a tese de defesa.
Rafael Uchôa