CE acusa invasão de território e reivindica área ocupada por cidade do RN
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Mais de um século após uma polêmica que parecia pacificada, a divisa entre os estados do Rio Grande do Norte e Ceará voltou a ser ponto de tensão e disputa entre os municípios litorâneos de Tibau (RN) e Aracati (CE).
Segundo um estudo do governo cearense, a cidade potiguar invadiu ao longo dos últimos 14 anos o território de Icapuí, e hoje construções irregulares ocupariam uma área estimada em 495 mil m².
Tibau reclama que, sem qualquer aviso prévio, no último dia 24 o governo cearense instalou uma nova placa da divisa entre os estados em um local hoje ocupado por ela. A instalação gerou revolta na cidade, que tem 5,3 mil habitantes.
A placa não durou muito: a prefeita Lidiane Marques (União Brasil) determinou que ela fosse arrancada, o que ocorreu com apoio da polícia no dia 2 de maio. Ela gravou um vídeo no local para "tranquilizar" a população de que não haverá perda de território.
O estado do Ceará, porém, não aceitou e, dessa vez com apoio da PM cearense, voltou ao local nesta quinta-feira (8) e recolocou a placa, elevando ainda mais a tensão.
Por que a placa mudou?
A instalação da placa, diz o Ceará, foi realizada após um estudo feito pelo Ipece (Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará) apontar que desde 2011 o município de Tibau estaria ocupando área cearense com "novos núcleos habitacionais e loteamentos ao norte da linha divisória oficial reconhecida pelo IBGE".
O UOL teve acesso à nota técnica, que traz imagens de satélite que apontaram desrespeito à divisa. O documento cita que houve uma "ocupação cumulativa e progressiva em área que pertence oficialmente ao estado do Ceará".


Na área que seria cearense existe hoje um loteamento, com infraestrutura de energia e água, além de barracas de praia na faixa costeira.
Diante de tais evidências, é possível afirmar, com base em uma análise técnica robusta e documentalmente fundamentada, que a expansão desordenada do núcleo urbano de Tibau (RN) sobre áreas historicamente pertencentes ao município de Icapuí (CE) não resulta de um processo legalmente estabelecido, tampouco respaldado por instrumentos legislativos ou pactuação federativa formal. Trata-se de uma ocupação recente e não institucionalizada, cuja configuração não está amparada por qualquer alteração legal dos limites intermunicipais ou interestaduais.
Nota do Ipece
Tibau reclama
A Prefeitura de Tibau reclama que a área historicamente é do município e alega que não houve qualquer diálogo prévio sobre a instalação da placa. "Não fomos chamados ou procurados para abrir conversa. Fomos pegos de surpresa", diz a secretária de governo, Cacilda Alves, indicada pela prefeitura para cuidar do caso.
Ela explica que, caso a divisa sugerida pelo Ceará seja adotada, dezenas de casas e ruas do loteamento chamado Nova Tibau seriam transferidas para Icapuí. Lá também existem, por exemplo, posto de saúde, escola e equipamentos comunitários instalados e mantidos por Tibau.
"Esse grande conjunto urbano é contemplado com todos os serviços municipais. Recentemente fizemos uma estrada que passa por dentro dele, colocamos luzes de LED. Se mudar, ele será dividido, e todo esse conjunto será afetado, haverá um grande impacto social", diz.
A coluna tentou falar com algum representante de Icapuí, mas não obteve retorno.

O que diz o estudo
O estudo do Ipece foi feito a pedido da PGE (Procuradoria-Geral do Estado) do Ceará. O órgão afirma que "orientou aos órgãos competentes de governo a reposição de placa" após a conclusão da análise apontar a invasão.
Na última terça-feira (6), a PGE notificou a PGE do Rio Grande do Norte e o município de Tibau (RN) solicitando providências. Já na quarta-feira, uma comissão de Tibau teve reunião com a governadora Fátima Bezerra (PT), em Natal, e o estado anunciou a formação de um grupo de trabalho para tratar do conflito.
Em nota, a governadora diz que externou "apoio incondicional" à defesa dos interesses de Tibau. "Na segunda-feira já teremos a primeira reunião de trabalho para tratar do assunto", disse após a reunião.

Segundo o consultor-geral do município de Tibau, Helton Evangelista, a prefeitura tem documentos históricos, cartográficos e o processo judicial iniciado em 1902 para ajudar a defender a cidade de Tibau.
"O que o estado e o município devem propor inicialmente é o estabelecimento de um diálogo com Icapuí e o Ceará para se chegar a um consenso em relação à divisa entre os dois estados", diz.
Entenda a disputa histórica
O debate sobre a divisa é antigo e remonta ainda ao início do século 20. Segundo o Portal Cidades do IBGE, em 13 de julho de 1901, a Assembleia Legislativa do Ceará resolveu anexar as terras dos municípios de Grossos e Tibau, o que gerou indignação e uma ação do Rio Grande do Norte contra a medida.
Depois de três anos da decisão cearense, o extraordinário jurista e Senador da República Rui Barbosa foi convidado para defender os direitos do Rio Grande do Norte. Com uma brilhante defesa Rui Barbosa garantiu a vitória para o Estado potiguar [no STF], definitivamente sacramentada no dia 17 de julho de 1920.
Portal do IBGE
Segundo o Ipece, a divisa estadual, desde então, foi definida em uma linha reta entre o Morro do Tibau e a Serra do Apodi, e cita que isso foi pacificado não só em mapas históricos,mas também foi definido pelo STF, pelo Atlas dos Limites dos Estados (de 1933) e pela Carta da Diretoria de Serviço Geográfico do Exército (de 1970).
Entretanto, cita que houve uma alteração do IBGE, entre os Censos 2000 e 2010, que "deslocou, sem respaldo legislativo ou acordo entre os estados, o ponto de ancoragem litorâneo da divisa atinente ao Morro do Tibau, resultando em perda territorial para o Ceará".

Essa modificação não invalida o direito ao traçado original. Como resultados, identificou-se que a alteração cartográfica na divisa do IBGE, que reposicionou o ponto referente ao Morro do Tibau, resultou na perda de 734 hectares sendo 495 do município de Icapuí (CE) e 239 do município de Aracati (CE), sem respaldo em lei complementar estadual.
Ipece
Segundo a Prefeitura de Tibau, há "necessidade de realização no caso concreto de um complexo estudo jurídico (notadamente o processo judicial que tramitou no STF e deu ganho de causa ao Estado do Rio Grande do Norte), histórico, geográfico, cartográfico e de engenharia, tudo com o propósito de se delimitar a real divisa".
Procurado pela coluna, o IBGE informou que não iria comentar o tema e apenas sugeriu falar com o Ipece.
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