Escavação busca cemitério que sumiu há 200 anos com 100 mil mortos na Bahia

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Uma escavação que começa hoje em Salvador busca vestígios de um cemitério desaparecido que serviu para enterro de escravizados e pessoas marginalizadas, como prostitutas, excomungados e condenados à morte. A estimativa é que no local tenham sido enterrados 100 mil corpos entre o fim do século 17 até o ano de 1844, quando foi desativado.
Investigações em documentos históricos apontaram a localização como sendo no Complexo Pupileira, que pertence à Santa Casa da Bahia. Levantamento foi feito pela arquiteta Silvana Olivieri, doutoranda em urbanismo na UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Em abril do ano passado, ela passou dez dias em Belém fazendo pesquisa de campo para o doutorado e soube de um antigo cemitério de indígenas, escravizados e indigentes que se encontrava soterrado no bairro onde estava hospedada.
"Voltei com uma questão: existiria um cemitério similar em Salvador? Um cemitério desaparecido? Logo descobri que sim", diz.
Entretanto, havia outra dúvida: onde. "Não demorou muito e achei alguns mapas de Salvador do século 18 indicando o local do cemitério, o que me levou a outros documentos que indicam esse localização", diz.
Foi então que a pesquisadora procurou o professor Samuel Vida, da Faculdade de Direito da UFBA, e juntos elaboraram um dossiê sobre o cemitério, encaminhado ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional).
A ideia foi pedir apoio institucional para uma pesquisa arqueológica no Campo da Pólvora. A autorização saiu, e o órgão acompanhará as buscas a partir de hoje.

Em dezembro de 2024, o MP-BA (Ministério Público da Bahia) fez uma intermediação com a Santa Casa, que também autorizou a realização da pesquisa na propriedade onde está o Complexo Pupileira, nas proximidades do Dique do Tororó.
Como a área foi ocupada ao longo do século 18, pesquisadores acreditam que encontrarão os restos mortais dos participantes da revolta dos Malês, de 1835 — a maior rebelião urbana de escravizados já ocorrida fora da África.
Silvana conta que, à época, o local era o segundo maior cemitério de escravizados do Brasil. Ele ficava atrás apenas do cemitério da Santa Casa do Rio de Janeiro, que funcionou por cerca de 250 anos, enquanto o de Salvador funcionou por 150.
O cemitério do Rio foi parcialmente destruído, sobretudo com o desmanche do Morro do Castelo, nos anos 1920. "O de Salvador acreditamos estar íntegro, então provavelmente hoje é o maior", afirma.

Esses cemitérios --ou depósitos de corpos-- eram superlotados, com sepultamentos em valas comuns, corpos empilhados. Os relatos descrevem cenas de terror. Lá chamava-se Campo do Desterro, nos fundos da cidade, perto de um depósito de pólvora e de um antigo cordão de trincheiras sobre onde está hoje o Dique do Tororó.
Silvana Oliveiri
Para marcar o início das escavações, haverá um ato em memória e homenagem aos mortos do cemitério.
Local pode virar sítio arqueológico
Caso as escavações confirmem a localização do cemitério, o local deve virar sítio arqueológico e terá proteção pública, afirma Cristina Seixas, coordenadora da Promotoria do Meio Ambiente e Habitação e Urbanismo da cidade.
A expectativa é que isso também possibilite uma série de pesquisas sobre o local, quem foi enterrado ali e como ocorriam os enterros. A ideia é fazer um memorial como já acontece com outros cemitérios achados, diz Seixas.
Resgatar esse que foi o primeiro cemitério da Bahia, quiçá do Brasil, é algo de uma importância imensa para a cultura brasileira porque mostra como o racismo imperava. Quando se encerrou o cemitério, não havia nenhum tipo de respeito a essas pessoas, e ali devem estar pessoas revoltosas contra a escravidão, que foram as heroínas da nossa história.
Cristina Seixas
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