Região do cerrado supera desmatamento da Amazônia: o que houve no Matopiba?

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O Brasil do novo governo Lula comemora uma importante redução de desmatamento na Amazônia a partir de 2023, ao mesmo tempo em que cria uma nova fronteira do desmatamento (dessa vez quase todo legalizado) no país: trata-se do Matopiba, região que inclui os cerrados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Dados divulgados hoje pela rede MapBiomas apontam que, entre 2023 e 2024, essa região teve 1,38 milhão de hectares (ou 13.820 km²) desmatados, o que equivale a oito vezes a área do município de São Paulo.
O Matopiba é classificado como um território especial e apontado como a última fronteira agrícola do Brasil. Essa área tem se caracterizado pela expansão da agricultura nos últimos anos, em especial de soja e milho. É a região que mais cresce em área plantada no país: a previsão é que chegue a 8,9 milhões de hectares até o final de 2030, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária.
A região tem atraído investidores de peso do agronegócio, que promovem grandes desmatamentos para produzir. "Essa região concentra mais desmatamento do que todo o bioma Amazônia, e isso deve ser um ponto de atenção", diz Roberta Rocha, analista do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e coordenadora técnica do MapBiomas para o cerrado.
Matopiba no top 5 pela 1º vez
Os números do ano passado apontam que todos os biomas tiveram redução de desmatamento em comparação a 2023, com exceção da Mata Atlântica, que ficou estável. No Matopiba, a queda foi de 40%. "Apesar da redução, a região concentrou 75% do desmatamento do cerrado em 2024 e 42% de todo o país", diz Rocha.

No ranking nacional de 2024, pela primeira vez os quatro estados do Matopiba aparecem no no top 5 com maior área desmatada. O Maranhão, por exemplo, assumiu em 2023 o topo do ranking, que historicamente era liderado por estados no bioma amazônico. "Pelo segundo ano consecutivo, grande parte da área desmatada do Maranhão está no cerrado: 208 mil dos 218 mil hectares de vegetação nativa perdidos em 2024 eram do bioma", afirma a analista do Ipam.
Estados com maior desmatamento em 2024:
- Maranhão - 218.298 hectares (17,6% do total)
- Pará - 156.990 hectares (12,6%)
- Tocantins - 153.310 hectares (12,3%)
- Piauí - 142.871 hectares (11,5%)
- Bahia - 133.334 hectares (10,7%)
"Quando a gente olha para o ranking dos dez municípios mais desmatados no cerrado em 2024, todos estão no Matopiba, inclusive o mais desmatado do país, que é São Desidério, na Bahia", afirma Rocha.
São Desidério destaca-se como um dos maiores produtores de grãos do Brasil, especialmente de soja, algodão e milho. Em 2023, o município foi o segundo maior produtor de grãos em valor, com R$ 7,8 bilhões, atrás apenas de Sorriso (MT).

Desmatamento autorizado
Ao contrário da Amazônia, onde predomina o desmatamento ilegal, o Matopiba tem um ponto importante: um grande percentual da área desmatada é autorizada pelos governos.
Em 2019, por exemplo, apenas um em cada quatro hectares desmatados do Matopiba tinham ASV (Autorização de Supressão de Vegetação). No ano passado, a relação subiu para dois em cada três hectares suprimidos.
Percentual de desmatamento autorizado no Matopiba:
- 2019 - 25%
- 2020 - 34%
- 2021 - 37%
- 2022 - 48%
- 2023 - 59%
- 2024 - 67%
O Código Florestal brasileiro define que há critérios para emissão da ASV, documento emitido por órgãos ambientais ligados ao Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente). A proibição de desmatamento no Brasil ocorre nos casos de APP (Área de Preservação Permanente), Reserva Legal ou Unidade de Conservação. No caso, do Matopiba, nem 10% do território tem áreas de protegidas.
Entre os critérios para autorizar o desmate estão o registro do imóvel no CAR (Cadastro Ambiental Rural) e a apresentação de informações detalhadas de localização, áreas de preservação e de uso restrito, além do plano de reposição (plantação de árvores nativas para recuperar a área desmatada) ou outras compensações específicas.
O desmatamento autorizado em larga escala do Matopiba tem sido alvo frequente de contestação de pesquisadores e entidades, que reclamam da falta de critérios para liberação.
Um estudo da Climate Policy Initiative/PUC-Rio, publicado em março de 2024, aponta que os processos de autorizações no Matopiba são frágeis e têm normas para solicitação/emissão diferentes de acordo com o órgão ambiental de cada estado.
[No Matopiba] Apesar de o Código Florestal prever medidas compensatórias e mitigadoras para espécies da flora ou da fauna ameaçadas de extinção, apenas o Piauí requer informações mais detalhadas como o levantamento das espécies ameaçadas de extinção ou migratórias, espécies endêmicas e métodos para afugentamento e resgate. O Tocantins pede apenas informações sobre espécies imunes ao corte. A Bahia e o Maranhão requerem informações que já constam no CAR e poderiam ser dispensadas.
Estudo Climate Policy Initiative/PUC-Rio
O documento ainda cita que as bases de dados de ASVs desses estados não são públicas, e os governos não enviam dados quando solicitados via Lei de Acesso à Informação. "O monitoramento e controle do desmatamento legal passa necessariamente pelo acesso às informações de ASVs", conclui.
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