Carlos Madeiro

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Reportagem

Governo do Ceará quer doar hospital do SUS à Polícia Militar

Um projeto de lei do governo do Ceará enviado à Assembleia Legislativa pretende ceder à Polícia Militar um hospital que realizou 230 mil procedimentos em 2024 pelo SUS (Sistema Único de Saúde), em Fortaleza. A ideia gera críticas dos ministérios públicos do Estado (MP-CE) e Federal (MPF), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e do Conselho Estadual de Saúde, que se posicionaram contra a medida, que classificam como ilegal.

O projeto chegou ao Legislativo na última segunda-feira e prevê que o Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar vire o Hospital e Maternidade da Polícia Militar, com estrutura "organizada e adaptada às necessidades específicas" desses profissionais no Ceará.

No texto do projeto enviado à Assembleia, o governador Elmano de Freitas (PT) alega que com a medida o governo "reconhece a dedicação dos profissionais" e que quer "proporcionar uma assistência médica mais eficiente, ágil e direcionada", reafirmando assim "seu compromisso com a valorização, a dignidade, o bem-estar e a qualidade de vida aos militares estaduais e seus dependentes".

A medida faz parte de uma série de ações que o governo tem tomado nos últimos meses, inclusive de comunicação, para tentar fortalecer a polícia e estimular o combate às facções criminosas, que têm levado terror a comunidades.

No caso do hospital, a ideia do governo seria agradar a categoria ao "devolver" o hospital fundado em 1939 à corporação, já que até 2011 a unidade funcionava como Hospital Central da Polícia Militar do Ceará.

Naquele ano, o então governador Cid Gomes (PSB) decidiu integrar o equipamento ao SUS, abrindo portas para toda a população. A partir dali, o hospital recebeu mais servidores, recursos e equipamentos.

Fachada do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar
Fachada do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar Imagem: Sesa-CE/Divulgação

70% das vagas seguiriam no SUS

À coluna, a Sesa (Secretaria da Saúde do Ceará) afirma que a unidade pretende dedicar apenas 30% da capacidade aos militares e dependentes, com 70% dos atendimentos abertos à toda população.

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"Esse ajuste não representa prejuízo aos usuários do SUS, que agora também contam com serviços e leitos do Hospital Universitário do Ceará, inaugurado há dois meses", diz a nota.

Esse novo Hospital Universitário foi inaugurado por Lula em março e está "em expansão dos serviços", segundo a Sesa: são 159 leitos ativos atualmente, de um total de 832 previstos.

A proposta da cessão do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar, diz a secretaria, é fazer uma transição gradual para garantir que nenhum paciente fique desassistido.

A Sesa reitera que o HMJMA seguirá funcionando com 80 leitos para o atendimento aos usuários e reforça o compromisso do Governo do Estado com a excelência da assistência à saúde e com o respeito à história e à missão da unidade junto à população cearense.
Sesa

Unidade neonatal do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar
Unidade neonatal do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar Imagem: MP-CE

Críticas

Em janeiro, quando se falava da ideia, MP-CE e MPF publicaram uma recomendação ao governo do estado para que não houvesse cessão da unidade, sob pena de prejudicar o atendimento ao público.

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Além do mais, a nota traz números que atestam um aumento na quantidade de atendimentos após a saída da PM e entrada no SUS. Um exemplo são as cirurgias: em 2011 foram 35, e no ano passado esse número chegou a 3.703. O mesmo ocorreu com o número de partos, que saltaram de 280, em 2011, para 1.858, em 2024.

A ideia de devolver não faz sentido porque, quando ele saiu da polícia, em 2011, havia poucos equipamentos e era baixíssima a produção. A partir dali houve reformas, aquisições, contratações. E não se pode ceder algo do SUS a uma instituição para atendimento restrito. O SUS é universal e gratuito.
Promotora Ana Cláudia Uchoa, que assina recomendação contrária à cessão

Ela afirma que, caso o projeto de lei seja aprovado, o MP vai à Justiça por entender que seria um cessão ilegal e inconstitucional.

O estado pode fazer e dar um hospital para a polícia, mas não pode é reduzir um serviço existente que atende bem uma população tão carente. Estamos falando de um hospital que serve aos 7,5 milhões de cearenses que dependem do SUS.
Ana Cláudia Uchoa

Centro cirúrgico do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar
Centro cirúrgico do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar Imagem: Arquivo pessoal

Sobre a reserva de 70% das vagas para paciente SUS, a promotora diz que a medida não tira o caráter que considera ilegal da cessão. "Primeiro: o projeto não fala dessa reserva. Em uma reunião eles apresentaram um estudo dizendo que esses 30% perdidos iriam ser absorvidos por outros hospitais da rede, mas que já estão superlotados, não conseguem nem atender à demanda própria, quem dirá receber mais pacientes", diz Ana.

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A cessão também foi rejeitada em votação do Conselho Estadual de Saúde, que deliberou no dia 17 de março, de forma quase unânime (abstenção apenas da Secretaria de Saúde do Ceará), pela negativa de doação do hospital.

"Os servidores nos procuraram para dizer que não querem essa transferência, e a sociedade também não quer", diz Adriano Duarte, presidente do conselho. "Não se mexe em time que está ganhando", completa.

Em julho de 2024, quando a ideia já era ventilada, a Comissão de Saúde e Direito Médico da OAB-CE também publicou relatório e se posicionou contra a medida.

Mediante análise da visita técnica associada à produção de serviços nas diversas especialidades da área da saúde, realizados nos últimos cinco anos, resta inquestionável a essencialidade dos serviços ofertados pelo HMJMA para a população.
Relatório da OAB

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