Mapa inédito detalha cerco português que expulsou holandeses de PE em 1654
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Um mapa inédito do século 17 foi recuperado por pesquisadores e revela, pela primeira vez, uma visão da época sobre o cerco final ao Recife, quando tropas portuguesas expulsaram os holandeses de Pernambuco, ocupado entre 1630 e 1654.
O desenho era desconhecido de historiadores brasileiros e europeus até 2023, quando foi localizado em um alfarrábio na França. A obra foi adquirida pelo Instituto Flávia Abubakir, da Bahia (você pode clicar aqui e ver o mapa em alta resolução).
"É a única imagem produzida e conhecida da vitória portuguesa. Até o momento, não existia nada da época que retratasse esses momentos cruciais", diz o historiador e professor Bruno Ferreira Miranda, da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco).
O desenho, sem assinatura, retrata o Recife na época da ocupação holandesa, quando a cidade era sede do poder da Companhia das Índias Ocidentais (WIC) no Brasil. A obra mostra o cenário nos momentos finais da guerra travada entre 1653 e 1654.
Pernambuco era o principal centro de comércio para a cultura mais forte da colônia: o açúcar. Foi isso que despertou o interesse dos holandeses pela região.
O desenho
O desenho é datado de 1654 (ano da expulsão) e foi intitulado "Demostraçam da Cidade S Antonio de Pernambuco & villa do Arecife no Brazil as quaes foraõ tomadas dos Olandezes aos 16 de fevereiro do Anno d. 1631" (sic). Os pesquisadores preparam agora um artigo científico para divulgar o achado.
Bruno diz que a importância histórica do desenho está, em grande parte, no fato de ser a primeira imagem a representar a Armada da Companhia de Comércio - e a única conhecida a retratar o cerco em detalhes.

"Aquela vitória selou o destino do Brasil naquele período. Foi um evento de peso para a Coroa portuguesa; uma vitória contra um oponente poderoso. A peça também é uma forma de elevar esses eventos", diz Miranda.
Os pesquisadores acreditam que o desenho foi feito logo após a expulsão. "O mapa tem vários elementos da cidade do Recife daquele momento, com sua ponte, o Palácio de Nassau, a armada portuguesa que cercou a cidade", afirma o historiador e professor Pablo Iglesias Magalhães, da Universidade Federal do Oeste da Bahia.
Durante as pesquisas, explica Magalhães, descobriram que o mapa foi produzido por João Teixeira Albernaz 2º, integrante da família mais importante de cartógrafos de Portugal.
Os Albernaz costumavam representar as efemérides da guerra holandesa em seus mapas, e a família tinha autorização da Coroa Portuguesa. Estamos elaborando um artigo científico para apresentar a nossa pesquisa para a comunidade acadêmica.
Pablo Iglesias
Os textos que acompanham o desenho descrevem os eventos com riqueza de relatos de portugueses e holandeses. "Isso sugere que o autor estava bem informado ou presenciou o sítio, porque o desenho aponta corretamente os primeiros movimentos portugueses, em dezembro de 1653 na posição norte da cidade", diz.
Além disso, há representação e nomes dos comandantes envolvidos nesses ataques, como André Vidal de Negreiros e Henrique Dias. "Todos estão corretamente registrados no desenho. Ele mostra o Recife e a cidade Maurícia com um nível de detalhamento mais amplo no que se refere ao ataque pela parte da terra", afirma.
Sobre a obra
O desenho, feito com tinta marrom e aquarela, mede 43 cm de comprimento por 35 cm de altura. Apresentava danos e perdas na dobra central e nas bordas, que foram posteriormente restaurados.

O papel utilizado na peça possui uma marca d'água com o brasão de armas da França e de Navarra, possivelmente manufaturado na França em meados do século 17, em data compatível com a representação dos eventos.
A ilustração oferece uma perspectiva conhecida como vista de pássaro, é colorida e detalhada do Recife do século 17, focando no assédio final português aos holandeses, ocorrido entre dezembro de 1653 e janeiro de 1654.
Em primeiro plano, o desenho representa parte da Armada da Companhia de Comércio de Portugal, que deixou Lisboa em outubro de 1653 com 64 navios. Foram desenhadas 16 embarcações.
O centro da ilustração mostra o assentamento português original no istmo do Recife e as fortificações holandesas que defendiam a parte nova da cidade, conhecida como Mauritsstad (Cidade Maurícia), localizada na Ilha de Antônio Vaz (atuais bairros de Santo Antônio e São José).
Mauritsstad, que se tornou a sede do poder da WIC no Brasil após 1630, era uma cidade planejada, com canais, jardim, praça de armas e um robusto sistema defensivo.
Ao fundo do mapa, são visíveis as estruturas de cerco erguidas pelas forças sitiantes portuguesas sob o comando de Francisco Barreto de Menezes, incluindo acampamentos, baterias provisórias e trincheiras.
Ocupação e avanços em PE
A ocupação holandesa em Pernambuco foi impulsionada pelo interesse da WIC em controlar a lucrativa produção de açúcar. O primeiro ataque significativo no Brasil, porém, ocorreu antes: em 1624, eles tentaram invadir de Salvador, mas a ação foi repelida. Em 1630, os holandeses concentraram seus esforços em Pernambuco, desembarcando em Olinda e Recife.
A resistência inicial portuguesa e dos colonos foi forte, mas a superioridade militar holandesa e a desorganização das defesas luso-brasileiras permitiram a tomada das cidades, dando início ao domínio holandês sobre a região açucareira mais rica do Brasil colonial.

A fase de maior prosperidade da ocupação holandesa em Pernambuco ocorreu sob o governo de Maurício de Nassau, que chegou em 1637. Ele promoveu uma administração inovadora, investindo em infraestrutura — como a construção de pontes e canais —, e no desenvolvimento cultural e científico, atraindo artistas e cientistas para a Nova Holanda. Ele também estabeleceu uma política de tolerância religiosa que atraiu diversos grupos para a colônia.
Economicamente, Nassau buscou revitalizar a produção açucareira, concedendo empréstimos aos senhores de engenho e facilitando o comércio, contribuindo para um período de relativa paz e prosperidade.
No entanto, a gestão de Nassau chegou ao fim em 1644 devido a desentendimentos com a WIC, que priorizava lucros imediatos. Sua saída marcou o início do declínio da presença holandesa até a capitulação final em 1654.
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