Carlos Madeiro

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Reportagem

Reserva no AC revive tensão dos anos 1980 e ameaça sucessor de Chico Mendes

Trinta e sete anos após o assassinato Chico Mendes, a reserva que leva seu nome em Xapuri (AC) vive novo um momento de tensão após início de uma operação para retirar o gado criado ilegalmente na unidade de conservação federal criada em 1990 em resposta à luta de Chico e de comunidades extrativistas tradicionais.

A retirada do gado, porém, gerou revolta de alguns ocupantes da resex, que fizeram prosperar a informação de que ela afetará pequenos produtores —o que é negado pelo ICMBio (veja mais abaixo). Nesse cenário, prosperou também um discurso de ódio a autoridades e lideranças, especialmente contra Raimundo Mendes de Barros, o Raimundão, que sucedeu seu primo Chico Mendes na luta dos povos. "Sem dúvida é o momento mais tenso que vivemos [desde a morte de Chico]", conta Ronaira Barros, filha de Raimundão.

A operação Suçuarana, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), começou na segunda-feira (5) com a retirada de 20 bovinos de uma área embargada da resex (reserva extrativista) Chico Mendes, que é a unidade de conservação federal mais desmatada. O objetivo é retirar, ao fim, cerca de 400 animais nos sete municípios da reserva.

Um dos áudios que circularam esta semana cita que "tem de fazer com eles [que querem tirar o gado] o mesmo que fizeram com Chico Mendes". "Estamos com muito medo de acontecer algo com meu pai ou com nós [familiares]", diz Ronaira.

A resex é uma área federal que destina posse de terras para uso e produção por populações extrativistas, com limite de 20% de desmatamento —onde é permitido criar animais. Entretanto, ao longo dos últimos anos, o ICMBio alega que grupos estão desmatando áreas extensas para grandes criações de gado.

Gado na resex Chico Mendes, em Xapuri (AC)
Gado na resex Chico Mendes, em Xapuri (AC) Imagem: ICMBio

Quem é Raimundão

Primo de Chico Mendes, Raimundão se tornou um líder natural do movimento extrativista após a morte do seringueiro em 1988. Ele foi apontado como o "delator" das ocupações ilegais ao ICMBIO e, por conta disso, passou a ser alvo. "Ele foi retirado de Xapuri, está incomunicável", diz Ronaira.

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O medo veio pela reação local. Na segunda-feira e sexta-feira, moradores que se sentem afetados pela operação fecharam a BR-317 em protesto contração operação. Eles também criaram um grupo de WhatsApp para reunir pessoas inconformadas. Neste grupo, diz Ronaira, Raimundão tem sido alvo preferencial de ataques, fake news e até ameaças.

Desde que essa operação iniciou, a figura do meu pai foi associada como ''informante oficial', e ele acabou sendo alvo de várias calúnias, difamação e principalmente ameaças de morte por eles.
Ronaira Barros

O principal incitador desse movimento contra ele, diz Ronaira, é o vereador Alcemir Teodósio (União Brasil). "Ele destila ódio dia pós dia nos grupos de WhatsApp, e arrasta com ele uma multidão para também falar mal do pai", assegura.

Vereador de Xapuri (AC) conversa com autoridades na operação Suçuarana
Vereador de Xapuri (AC) conversa com autoridades na operação Suçuarana Imagem: Reprodução

Em um vídeo gravado na segunda-feira, ao qual a coluna teve acesso, o parlamentar aparece conversando com agentes da operação e citando que eles deveriam ir "até o Raimundo Barros, que tem lá uma serraria." "São eles [da família Barros] que levam essas questões", diz.

O UOL tentou localizar o vereador para comentar sobre as falas, mas não conseguiu. O espaço está aberto para manifestação.

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Meu pai mostra uma força incrível. Ele sobreviveu aos ataques do latifúndio nos anos 1980. Então, ter sobrevivido naquela época é uma vitória imensa. Mas por mais que ele mostre que nada abala, isso abala sim, você imagina um senhor de 80 anos, com a saúde debilitada do jeito que ele tem, está vivenciando um negócio desse nos dias de hoje?
Ronaira Barros

Os ataques a Raimundão causaram forte reação de personalidades públicas, como da advogada Elenira Mendes (filha de Chico Mendes) e da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede).

ICMBio rebate fake news

A coordenadora da operação Suçuarana e gerente do ICMBio para a região Norte, Carla Lessa, gravou um vídeo na quinta-feira em que cita fake news circulando. Ela diz que a ação não afeta pequenos produtores, nem vai remover a população extrativista que atua na reserva.

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"Essas pessoas [alvo da operação] foram notificadas de forma reiterada pelo ICMBio, e até pela justiça, para retirar o gado e sair dessas áreas, mas não cumpriram as determinações legais", afirma.

A operação Suçuarana conta com apoio da apoio da Força Nacional, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Exército, Ministério Público Federal e órgãos estaduais e planeja remover 400 animais nos sete municípios acrianos que têm partes na unidade de conservação:

  • Assis Brasil
  • Brasiléia
  • Capixaba
  • Epitaciolândia
  • Rio Branco
  • Sena Madureira
  • Xapuri

Um detalhe é que a operação foi parcialmente paralisada porque caminhoneiros locais negaram a fazer o serviço de retirada de bois por conta de ameaças, e o ICMBio espera novos veículos até este domingo (15).

Gado retirado no primeiro dia da operação Suçuarana, na resex Chico Mendes, em Xapuri (AC)
Gado retirado no primeiro dia da operação Suçuarana, na resex Chico Mendes, em Xapuri (AC) Imagem: ICMBio

O desmatamento na resex explodiu durante o governo de Jair Bolsonaro, que chegou a paralisar a fiscalização no local apos acordo fechado diretamente com infratores ambientais. Os números desse desmatamento voltaram a cair em 2023, como mostrando dados da rede MapBiomas:

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  • 2019 - 6.915 hectares desmatados
  • 2020 - 6.714
  • 2021 - 7.388
  • 2022 - 9.675
  • 2023 - 1.877
  • 2024 - 2.297

Carla lembra que a reserva é uma terra pública federal destinada para uso dos recursos da floresta. "Essas pessoas definiram um plano de utilização do território, que deve ser cumprido e cabe ao ICMBio fiscalizar esse uso. Infelizmente, nos últimos anos, aumentou a invasão, o desmatamento desenfreado e a colocação de gado em grandes áreas da reserva, descaracterizando a unidade", afirma.

Entidades defendem ação do ICMBio

A atuação permanente do órgão gestor no combate às atividades ilegais na área da Resex é uma forma de diminuir a vulnerabilidade socioambiental e combater as ameaças que a Resex vem enfrentando nos últimos anos. Reconhecemos a importância de implementação das políticas públicas de apoio a gestão e governança socio territorial, e a necessidade urgente da implementação de todas as Reservas Extrativistas no Brasil.
Nota do Conselho Nacional das Populações Extrativistas

Lamentamos a tentativa de deslegitimar ações de fiscalização, com distorções e ameaças dirigidas a servidores públicos e lideranças comunitárias. Queremos declarar a nossa defesa publicamente à integridade e ao trabalho de defensores da floresta que vêm sendo atacados injustamente em meio a essa situação, principalmente, anciões da luta dos trabalhadores rurais de Xapuri. A operação tem como foco responsabilizar invasores reincidentes que descumprem sistematicamente o Plano de Utilização da Resex e desmatam limites do uso permitido
Comitê Chico Mendes

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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