Reserva no AC revive tensão dos anos 1980 e ameaça sucessor de Chico Mendes

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Trinta e sete anos após o assassinato Chico Mendes, a reserva que leva seu nome em Xapuri (AC) vive novo um momento de tensão após início de uma operação para retirar o gado criado ilegalmente na unidade de conservação federal criada em 1990 em resposta à luta de Chico e de comunidades extrativistas tradicionais.
A retirada do gado, porém, gerou revolta de alguns ocupantes da resex, que fizeram prosperar a informação de que ela afetará pequenos produtores —o que é negado pelo ICMBio (veja mais abaixo). Nesse cenário, prosperou também um discurso de ódio a autoridades e lideranças, especialmente contra Raimundo Mendes de Barros, o Raimundão, que sucedeu seu primo Chico Mendes na luta dos povos. "Sem dúvida é o momento mais tenso que vivemos [desde a morte de Chico]", conta Ronaira Barros, filha de Raimundão.
A operação Suçuarana, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), começou na segunda-feira (5) com a retirada de 20 bovinos de uma área embargada da resex (reserva extrativista) Chico Mendes, que é a unidade de conservação federal mais desmatada. O objetivo é retirar, ao fim, cerca de 400 animais nos sete municípios da reserva.
Um dos áudios que circularam esta semana cita que "tem de fazer com eles [que querem tirar o gado] o mesmo que fizeram com Chico Mendes". "Estamos com muito medo de acontecer algo com meu pai ou com nós [familiares]", diz Ronaira.
A resex é uma área federal que destina posse de terras para uso e produção por populações extrativistas, com limite de 20% de desmatamento —onde é permitido criar animais. Entretanto, ao longo dos últimos anos, o ICMBio alega que grupos estão desmatando áreas extensas para grandes criações de gado.

Quem é Raimundão
Primo de Chico Mendes, Raimundão se tornou um líder natural do movimento extrativista após a morte do seringueiro em 1988. Ele foi apontado como o "delator" das ocupações ilegais ao ICMBIO e, por conta disso, passou a ser alvo. "Ele foi retirado de Xapuri, está incomunicável", diz Ronaira.
O medo veio pela reação local. Na segunda-feira e sexta-feira, moradores que se sentem afetados pela operação fecharam a BR-317 em protesto contração operação. Eles também criaram um grupo de WhatsApp para reunir pessoas inconformadas. Neste grupo, diz Ronaira, Raimundão tem sido alvo preferencial de ataques, fake news e até ameaças.
Desde que essa operação iniciou, a figura do meu pai foi associada como ''informante oficial', e ele acabou sendo alvo de várias calúnias, difamação e principalmente ameaças de morte por eles.
Ronaira Barros
O principal incitador desse movimento contra ele, diz Ronaira, é o vereador Alcemir Teodósio (União Brasil). "Ele destila ódio dia pós dia nos grupos de WhatsApp, e arrasta com ele uma multidão para também falar mal do pai", assegura.

Em um vídeo gravado na segunda-feira, ao qual a coluna teve acesso, o parlamentar aparece conversando com agentes da operação e citando que eles deveriam ir "até o Raimundo Barros, que tem lá uma serraria." "São eles [da família Barros] que levam essas questões", diz.
O UOL tentou localizar o vereador para comentar sobre as falas, mas não conseguiu. O espaço está aberto para manifestação.
Meu pai mostra uma força incrível. Ele sobreviveu aos ataques do latifúndio nos anos 1980. Então, ter sobrevivido naquela época é uma vitória imensa. Mas por mais que ele mostre que nada abala, isso abala sim, você imagina um senhor de 80 anos, com a saúde debilitada do jeito que ele tem, está vivenciando um negócio desse nos dias de hoje?
Ronaira Barros
Os ataques a Raimundão causaram forte reação de personalidades públicas, como da advogada Elenira Mendes (filha de Chico Mendes) e da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede).
ICMBio rebate fake news
A coordenadora da operação Suçuarana e gerente do ICMBio para a região Norte, Carla Lessa, gravou um vídeo na quinta-feira em que cita fake news circulando. Ela diz que a ação não afeta pequenos produtores, nem vai remover a população extrativista que atua na reserva.
"Essas pessoas [alvo da operação] foram notificadas de forma reiterada pelo ICMBio, e até pela justiça, para retirar o gado e sair dessas áreas, mas não cumpriram as determinações legais", afirma.
A operação Suçuarana conta com apoio da apoio da Força Nacional, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Exército, Ministério Público Federal e órgãos estaduais e planeja remover 400 animais nos sete municípios acrianos que têm partes na unidade de conservação:
- Assis Brasil
- Brasiléia
- Capixaba
- Epitaciolândia
- Rio Branco
- Sena Madureira
- Xapuri
Um detalhe é que a operação foi parcialmente paralisada porque caminhoneiros locais negaram a fazer o serviço de retirada de bois por conta de ameaças, e o ICMBio espera novos veículos até este domingo (15).

O desmatamento na resex explodiu durante o governo de Jair Bolsonaro, que chegou a paralisar a fiscalização no local apos acordo fechado diretamente com infratores ambientais. Os números desse desmatamento voltaram a cair em 2023, como mostrando dados da rede MapBiomas:
- 2019 - 6.915 hectares desmatados
- 2020 - 6.714
- 2021 - 7.388
- 2022 - 9.675
- 2023 - 1.877
- 2024 - 2.297
Carla lembra que a reserva é uma terra pública federal destinada para uso dos recursos da floresta. "Essas pessoas definiram um plano de utilização do território, que deve ser cumprido e cabe ao ICMBio fiscalizar esse uso. Infelizmente, nos últimos anos, aumentou a invasão, o desmatamento desenfreado e a colocação de gado em grandes áreas da reserva, descaracterizando a unidade", afirma.
Entidades defendem ação do ICMBio
A atuação permanente do órgão gestor no combate às atividades ilegais na área da Resex é uma forma de diminuir a vulnerabilidade socioambiental e combater as ameaças que a Resex vem enfrentando nos últimos anos. Reconhecemos a importância de implementação das políticas públicas de apoio a gestão e governança socio territorial, e a necessidade urgente da implementação de todas as Reservas Extrativistas no Brasil.
Nota do Conselho Nacional das Populações Extrativistas
Lamentamos a tentativa de deslegitimar ações de fiscalização, com distorções e ameaças dirigidas a servidores públicos e lideranças comunitárias. Queremos declarar a nossa defesa publicamente à integridade e ao trabalho de defensores da floresta que vêm sendo atacados injustamente em meio a essa situação, principalmente, anciões da luta dos trabalhadores rurais de Xapuri. A operação tem como foco responsabilizar invasores reincidentes que descumprem sistematicamente o Plano de Utilização da Resex e desmatam limites do uso permitido
Comitê Chico Mendes
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