Carlos Madeiro

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Reportagem

TV de Collor em AL cede comerciais na Globo por dívida com a União

A OAM (Organização Arnon de Mello), que tem como sócio-majoritário o ex-presidente Collor, fechou um acordo com a PGFN (Procuradoria Geral da Fazenda Nacional) e penhorou espaços comerciais em seus veículos de comunicação —entre elas a afiliada à Rede Globo em Alagoas, a TV Gazeta— como garantia de pagamento de dívida milionária com a União.

O relato está em um pedido feito pela PGFN à 10ª Vara Cível de Maceió, no último dia 11, para que não homologue um plano de recuperação judicial (que corre na Justiça desde 2019) até que as empresas cumpram suas obrigações com a União e apresentem certidões negativas de débitos fiscais.

A Globo tenta, desde o final de 2022, mudar a TV de Collor em Alagoas, mas foi impedida pela Justiça de Alagoas. O caso agora está no STJ.

Entenda como os comerciais foram parar na penhora

A procuradoria afirma que a OAM tem uma dívida de FGTS com a União no valor de R$ 34 milhões e não cumpriu a obrigação acertada em acordo há mais de um ano para depurar pagamentos já feitos e informar ao governo federal.

A depuração citada seria um processo da OAM para informar os valores de FGTS já quitados em acordos trabalhistas individuais e solicitar abatimento da dívida junto à Caixa, que é a administradora do fundo.

Os termos citados foram acordados em um NJP (Negócio Jurídico Processual) assinado em fevereiro de 2024. Nele, a OAM se comprometeu a depurar o débito e informar como iria pagar ou parcelar os valores devidos em um prazo de 30 dias. Entretanto, isso não ocorreu até hoje.

Como garantia para o pagamento do valor final devido de FGST, a OAM ofereceu —e a PGFN aceitou— "espaços publicitários em mídia disponíveis em sua grade de programação no valor correspondente à totalidade do FGTS que não foi incluída na transação". "O valor do crédito em mídia será aquele correspondente à dívida de FGTS devidamente atualizada", diz o acordo.

Trecho do acordo da União com a OAM
Trecho do acordo da União com a OAM Imagem: Reprodução
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Segundo o NJP, ao qual o UOL teve acesso, as inserções publicitárias concedidas na TV Gazeta como garantia vão ocorrer nas modalidades de:

  • Cotas de patrocínio;
  • Ações de merchandising;
  • Comerciais avulsos de 30, 60 e 90 segundos.

Para definir o valor a ser inserido nas grades dos veículos, ficou decidido que será utilizada a "tabela de preços vigente no mês de exibição".

Além de afiliada à Globo em Alagoas, a OAM tem outra emissora de TV, além de rádios, jornal, gráfica e sites de notícias. No caso de outros veículos, são apontadas outras modalidades, como spots, banners e página de anúncio.

Acordo não incluiu FGTS

Em 30 de dezembro de 2022, a OAM fez um acordo para pagamento de todos os seus débitos com a União, com exceção da dívida com o FGTS, que seria alvo de um novo acordo.

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O acordo de 2022 prevê "manter todas as garantias já formalizadas em execuções fiscais da Fazenda Nacional, incluindo penhoras, até a quitação efetiva dos débitos incluídos na transação". Entre essas penhoras, está a do aluguel do prédio da OAM onde funciona hoje o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de Alagoas, ao custo de R$ 173 mil por mês.

Sede da OAM e, ao fundo, o prédio do grupo alugado ao TRE
Sede da OAM e, ao fundo, o prédio do grupo alugado ao TRE Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Disputa Collor x Globo

A Globo tem a TV Gazeta como afiliada em Alagoas desde 1975, quando a emissora foi fundada. Entretanto, desde o final de 2023, a emissora carioca tenta fazer valer o fim do contrato com TV Gazeta, mas decisões do judiciário alagoano obrigaram a Globo a renovar com a empresa de Collor por cinco anos.

O principal argumento que a Globo usa para acabar com a parceria é justamente a investigação e a condenação de Collor no STF, que apontaram que o esquema de corrupção usou a TV de Alagoas como meio para receber propina. Já a emissora alagoano alegou que a TV iria à falência se perdesse a marca da emissora carioca, por isso pediu a renovação compulsória.

Em junho de 2023, a 3ª Câmara Cível do TJAL decidiu, por dois votos a um, ratificar a decisão do juiz da recuperação judicial (condição na qual o grupo está desde 2019), que decidiu que o contrato com a Globo era essencial para a manutenção da TV Gazeta e seu consequente pagamento de credores e trabalhadores.

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A decisão do TJAL contrariou parecer do MPAL (Ministério Público de Alagoas), que opinou pela não obrigação de renovação e manteve o contrato forçadamente por ais cinco anos.

O acórdão do TJAL chancelou a superlativa lesão à ordem pública implementada contra a prestação do serviço público. É inadequada, porque, além de desconsiderar a liberdade de programação da concessionária de serviço público, não garante o efetivo soerguimento da TV Gazeta. Assim, ao privilegiar a recuperação judicial da TV Gazeta, a decisão desconsiderou os riscos e impactos à qualidade e diversidade de conteúdo disponibilizado.
Globo em recurso ao STJ

As duas emissoras não comentam o processo judicial.

Protesto do Sindicato dos Jornalistas contra Collor na orla de Maceió, em 2022
Protesto do Sindicato dos Jornalistas contra Collor na orla de Maceió, em 2022 Imagem: Sindicato dos Jornalista de Alagoas/Divulgação

OAM em recuperação há 6 anos

A OAM entrou em recuperação judicial em 2019 e apontou uma dívida de R$ 64 milhões a ser negociada.

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As empresas chegaram a ter o plano de recuperação judicial aprovado pelos credores em julho de 2022, mas denúncias de possível crime falimentar, como a suspeita de "compra de votos" por parte da OAM, levaram a Justiça a encaminhar o caso para investigação policial —que ainda está em curso.

Com a demora na aprovação no plano, ex-funcionários da OAM entraram na Justiça do Trabalho para cobrar direito não pagos, o que tem gerado decisões de despersonalização da pessoa jurídica, ou seja: o direito do credor de cobrar a dívida diretamente dos sócios da empresa.

As condenações bloquearam não só imóveis de Collor, mas também de sua esposa, Caroline Serejo. Ela teve R$ 478 mil retirados de sua conta, em julho do ano passado, para pagar uma jornalista com câncer que nunca teve acordo trabalhista honrado pela TV Gazeta. Imóveis de luxo do ex-presidente, como a cobertura onde ele cumpre pena, em Maceió, e uma chácara em Campos do Jordão (SP), chegaram a ser penhorados.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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