Carlos Madeiro

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Reportagem

Brasil cobra da Alemanha devolução de fóssil roubado de dinossauro cearense

Cientistas brasileiros e o governo federal estão em campanha para tentar repatriar o Irritator challengeri, um fóssil de dinossauro retirado ilegalmente do Ceará e levado há mais de 30 anos. A peça está desde 1991 no Museu Estadual de História Natural de Stuttgart, que se recusa a devolvê-lo.

O Irritator foi escavado na área do Geoparque Araripe, localizada no sul do Ceará, e a peça em questão serviu para descrever a espécie em 1996. Essa região é uma das mais ricas em fósseis do planeta e foi reconhecida como o primeiro geoparque das Américas pela Unesco.

A sua retirada do país ocorreu sem autorização do governo e por isso a peça é considerada como posse irregular do museu alemão. A importância do Irritator o fez se tornar o novo símbolo nacional na luta contra o contrabando paleontológico, uma prática conhecida como colonialismo científico.

O Itamaraty informou ao UOL que atua pela restituição do fóssil desde agosto de 2023, quando foi comunicado do caso. A luta pela devolução também conta com um abaixo-assinado —que alcançou mais de 30 mil assinaturas— e postagens nas redes sociais que usam a hashtag #IrritatorBelongsToBR.

Reunião na Alemanha

Um passo importante para estreitar relações ocorreu na semana passada, quando o MRE (Ministério das Relações Exteriores) organizou o "Colóquio Brasil-Alemanha sobre Paleontologia", na embaixada brasileira em Berlim, que estreitou laços entre os dois países.

Cientistas e autoridades discutiram a possibilidade de cooperações técnicas entre os países para identificar peças e combater o tráfico de fósseis brasileiros, além de coibir a receptação de itens do patrimônio brasileiro ilegalmente retirados.

"A gente avançou muito em estreitar laços e volta esperançoso que vamos dar passos largos importantes no sentido de que não só o Irritator, mas outros fósseis", diz Allysson Pinheiro, diretor do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, da Urca (Universidade Regional do Cariri), localizado em Santana do Cariri.

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Secretário de Ciência e Tecnologia do MCTI, Inácio Arruda, em Berlim com carta de intenções para a devolução de quatro fósseis
Secretário de Ciência e Tecnologia do MCTI, Inácio Arruda, em Berlim com carta de intenções para a devolução de quatro fósseis Imagem: MCTI/DIvulgação

Ao final do evento, na sexta-feira, o Brasil recebeu de volta quatro peças do Museu de Hannover, além de promessa de avanços. "Um grupo de diretores dos principais museus públicos alemães, junto com representantes do nosso grupo vão avançar também na formalização de uma carta de intenções com o que a gente quer dessa parceria Brasil-Alemanha", diz.

Alysson explica que a maioria dos fósseis contrabandeados saiu da região do Araripe —alguns deles há mais de um século e teve a Alemanha como maior destino. "Houve algumas importantes expedições científicas da Alemanha ao Brasil ainda no século 19", conta.

Apesar da prática ser denunciada há alguns, não há ainda um levantamento apontando quantos fósseis estão no país europeu. "Nem mesmo os alemães sabem exatamente, sem falar o que está de posse de colecionadores privados. Há muito caminho a ser trilhado", pontua.

Sobre o Irritator

A importância do Irritator ocorre porque trata-se de um dinossauro brasileiro conhecido a partir de um único exemplar fóssil coletado na Chapada do Araripe. A pela serve como referência da espécie, ou seja, serviu de base para sua descrição formal e nomeação em 1996.

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"Trata-se de um dos crânios mais completos já encontrados entre os espinossaurídeos, grupo de dinossauros terópodes que inclui o famoso Spinosaurus aegyptiacus. A importância científica e cultural de Irritator é enorme: o espécime contribui para o entendimento da diversidade dos espinossaurídeos no Gondwana durante o Cretáceo, bem como para a reconstituição da anatomia e das adaptações desses dinossauros, que apresentam características associadas a um estilo de vida semiaquático.
Carta dos cientistas

Como todo fóssil encontrado em território nacional, o exemplar é considerado patrimônio cultural brasileiro, conforme estabelece a Constituição.

A divulgadora científica e diretora do DinoLab, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), Aline Ghilardi, diz que aguarda "ansiosamente algum posicionamento da Alemanha em relação à repatriação de Irritator".

Ela lembra que os perfis do museu e do Ministério de Ciência, Pesquisa e Arte alemão adotam "medidas para restringir a participação do público brasileiro, incluindo o bloqueio de comentários e a exclusão de postagens com críticas".

"Em algumas publicações, nas quais se acumulam centenas de mensagens legítimas pedindo a repatriação do fóssil, a função de comentários tem sido desativada, revelando uma postura pouco transparente e pouco aberta ao diálogo com a sociedade brasileira", cita.

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A coluna visitou o perfil do museu nesta segunda-feira e viu que as postagens mais recentes estão com opção de comentários desativada.

Segundo ela, há uma preocupação dos pesquisadores brasileiros de que, com a colaboração, as instituições estejam, na verdade, buscando "suavizar sua imagem diante da comunidade internacional, ao invés de enfrentar de forma transparente e responsável a questão dos fósseis brasileiros". "Cooperação verdadeira exige reparação, ética e compromisso com a justiça científica".

Embora iniciativas de cooperação científica internacional sejam extremamente importantes para o avanço do conhecimento e para o fortalecimento dos laços entre países, é fundamental que não sirvam como instrumentos de legitimação de práticas problemáticas do passado e do presente.
Aline Ghilardi

O UOL mandou mensagens pelo e-mail da assessoria de imprensa e pela conta do Instagram do museu alemão, mas não obteve retorno.

História similar

A história de Irritator vem na esteira de outro importante dinossauro brasileiro, o Ubirajara jubatus, levado em 1995 também da Chapada do Araripe.

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O fóssil foi mantido por 17 anos no Museu Estatal de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, até que em 2020 o caso foi revelado em um artigo científico. A partir dali, teve início uma campanha com ampla mobilização da comunidade científica até o anúncio oficial de sua devolução, em julho de 2023.

Ubirajara é o primeiro dinossauro não aviano com plumagem (penas) preservada descoberto em todo o hemisfério Sul.

Concepção artística do dinossauro brasileiro Ubirajara jubatus, cujo fóssil voltará ao país
Concepção artística do dinossauro brasileiro Ubirajara jubatus, cujo fóssil voltará ao país Imagem: Concepção artística de Bob Nicholls/Paleocreations.com 2020

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