Carlos Madeiro

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Reportagem

Grupo de policiais processa governo federal por espionagem na era Bolsonaro

Agentes de segurança que foram monitorados e alvo de um dossiê de inteligência durante a gestão de Jair Bolsonaro estão processando o governo federal por assédio moral. Um grupo de 10 integrantes do movimento intitulado Policiais Antifascismo cobra uma indenização de R$ 50 mil para cada pessoa espionada.

A coluna teve acesso à ação, que foi protocolada no dia 5 de junho e corre na 14ª Vara Federal Cível da Justiça Federal do Distrito Federal. Segundo os agentes, autores do processo, as ações de espionagem da União configuram "violação manifesta a tratados internacionais de direitos humanos e a dispositivos constitucionais".

A espionagem foi revelada em 24 de julho de 2020 pelo UOL, quando a coluna do jornalista Rubens Valente desvendou a investigação sigilosa sobre 579 servidores federais e estaduais de segurança.

Bolsonaro em Águas Lindas de Goiás
Bolsonaro em Águas Lindas de Goiás Imagem: ADRIANO MACHADO

Sobre a espionagem

A espionagem do Ministério da Justiça e Segurança Pública produziu um dossiê com nomes, fotografias, endereços de redes sociais e outros dados das pessoas. O dossiê foi feito através da Seopi (Secretaria de Operações Integradas).

O dossiê foi produzido após a divulgação do manifesto "policiais antifascismo em defesa da democracia popular", em 5 de junho de 2020, assinado na ocasião por 503 servidores da área de segurança. Em solenidade naquele dia, em Águas Lindas de Goiás, Bolsonaro classificou os integrantes do movimento de "marginais, terroristas, maconheiros, desocupados".

Neste dossiê constam os nomes de servidores "mais atuantes", separados por estado. O documento está inteiro tarjado, sendo que nem mesmo os requerentes tiveram livre acesso à sua informação. Tal dossiê foi repassado a órgãos públicos e de segurança do país como a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Casa Civil da Presidência da República, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), a Força Nacional e três "centros de inteligência" vinculados à Seopi no Sul, Norte e Nordeste do país.
Ação dos policiais antifascismo

No processo, eles narram que o governo Bolsonaro criou a Dint (Diretoria de Inteligência), ligada a Seopi, com o objetivo de espionar opositores clandestinamente. O órgão foi extinto em 2022 e, segundo a ação, "investigava, monitorava e produzia relatórios sobre servidores contrários ao fascismo e às violações de direitos humanos".

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Sua criação consistia em trazer para o interior do ministério uma estrutura paralela de contrainteligência, que passou a atuar de forma clandestina em operações de investigação, para defender os interesses pessoais e ideológicos da Presidência da República.
Ação dos policiais antifascismo

A ação lembra que o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou, por 9 votos a 1, como inconstitucionais os atos do ministério na produção ou compartilhamento de informações sobre a vida pessoal, escolhas pessoais e políticas, e práticas cívicas de cidadãos e servidores identificados como integrantes de movimento político antifascismo. A votação ocorreu em 20 de agosto de 2020.

Plenário do STF
Plenário do STF Imagem: Felipe Sampaio/STF

Perseguição e golpe

Após o dossiê, os policiais alegam que foram alvo de investigação policial, demissão de cargo de confiança, sindicâncias administrativas, exclusão em seleção para instrutores de cursos de formação ou enviados para a reserva.

Um dos casos citados é o do Rio Grande do Norte, onde o Ministério Público local diz ter identificado "uma possível organização paramilitar ou milícia particular ou partidária".

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O relatório do Gaeco faz diversos ataques aos 'policiais antifascistas. Diz que o apoio que eles prestam ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em redes sociais, por exemplo, é 'apologia de autor de crimes'. A juíza da 10ª Vara Criminal determinou o arquivamento do inquérito.
Ação dos policiais antifascismo

Para os autores da ação, o monitoramento e perseguição "fez parte dos atos que fomentaram a tentativa de golpe de estado" no país, no fim do governo Bolsonaro. O dossiê seria usado para ilegalidades, caso o golpe tivesse se consumado, alegam.

É inequívoco que o aparelhamento do Brasil para perseguir opositores ocorreu sob a gestão Bolsonaro com monitoramento por fontes abertas, ou através do sistema First Mile, que fornece as coordenadas geográficas dos celulares dos investigados. A tentativa de golpe de Estado faz prova de que o relatório era ato inicial, que preparava o terreno para atos mais gravosos, como a abolição violenta do estado democrático de direito e de golpe de Estado.
Ação dos policiais antifascismo

Procurada pela coluna, a AGU (Advocacia-Geral da União), que defende o governo federal em ações judiciais, afirmou que não foi notificada sobre o processo, mas assim que for, "irá analisar o pedido e também irá solicitar subsídios aos órgãos envolvidos".

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