Prefeito no CE é cassado por doação de óculos e dentaduras em ano eleitoral

Segundo a denúncia, nos meses antecedentes à eleição, houve um "aumento significativo" no investimento da prefeitura na compra de óculos, aparelhos auditivos, cestas básicas e próteses dentárias para doação à população do município, o que teria causado desequilíbrio na disputa.

O MPE (Ministério Público Eleitoral) defendeu a cassação pela "utilização indevida da máquina administrativa para distribuição de bens e serviços públicos em patamares desproporcionais nos meses anteriores às eleições".

As evidências documentais demonstram um incremento injustificado em programas sociais municipais concentrado em 2024, especialmente nos dois meses pré-eleitorais, sem demonstração de observância das cautelas necessárias para não incidir em abuso de poder político. Pelo contrário, a esmiuçada análise das provas dos autos comprovou que os agentes públicos utilizaram deliberadamente a máquina pública em favor dos investigados.
Juiz Gustavo Henrique Cardoso Cavalcante, em sentença

Aumento de gastos

De acordo com a denúncia, os valores gastos mensalmente com aparelhos auditivos ao longo de 2023 ficaram entre R$ 24 mil e R$ 29,7 mil. "No mês de março de 2024, ocorreu uma drástica mudança nesse padrão", diz a sentença, citando que em setembro o valor bateu recorde: R$ 101,2 mil.

"Somente entre março e setembro de 2024, as entregas de aparelhos auditivos à população de baixa renda resultaram em pagamentos que ultrapassaram o valor recorde de R$ 450 mil", destaca o juiz.

Conclui-se pelo cristalino uso programado da administração pública municipal para a espantosa ampliação de benefícios sociais como estratégia de aumento da visibilidade política dos investigados semanas antes das eleições (...), causando um impacto mental inegável nos eleitores agraciados, respectivos familiares e população que travou conhecimento das doações recordes.
Gustavo Henrique Cardoso Cavalcante, em sentença

A mesma avaliação vale para o programa de doação de óculos e lentes, que nos meses de setembro a novembro de 2024 chegou a "dobrar o valor usual" dos pagamentos às empresas fornecedoras.

Em um dos casos, a verba pulou de R$ 39,8 mil em média para R$ 79,6 mil mensais. Outra ótica registrou aumento de uma média de R$ 42 mil de janeiro a julho de 2024 para RS 95,5 mil em setembro.

O incremento nos pagamentos em cada um desses três meses demonstra uma ruptura agressiva e inusitada do rigoroso padrão mensal observado pela prefeitura ao longo de 23 meses e não encontra respaldo probatório nos autos, bem como não se figura minimamente proporcional à 'demanda reprimida', 'descoberta', 'regularizada' pela prefeitura a poucos meses do pleito.
Gustavo Henrique Cardoso Cavalcante, em sentença

Outro item em que houve aumento de investimento foram as próteses dentárias. Até 2023, os valores mensais pagos pela prefeitura variavam de R$ 8.000 a R$ 37 mil. "No ano eleitoral de 2024, sobem para até R$ 93,8 mil no mês de abril".

O aumento no número de atendimentos e de doação de próteses é informado pelo site da própria prefeitura em publicação de maio de 2024, que cita que o CEO (Centro de Especialidades Odontológicas) entregou 602 próteses odontológicas naqueles quatro primeiros meses do ano.

Em sua defesa judicial, a prefeitura alegou que, no ano passado, houve incorporação da doação da prótese parcial removível, as chamadas dentaduras, o que fez "aumentar a demanda". Além disso, o Centro de Especialidades Odontológicas teria deixado de ofertar próteses dentárias temporariamente, o que acabou concentrado a demanda no município "nos meses de março, abril e maio de 2024".

Embora haja um subterfúgio técnico e matemático, o momento e a escalada dos pagamentos coincidem com o período eleitoral. Assim, a explicação é tecnicamente coerente, mas não elide a possibilidade de ampliação estratégica da entrega de próteses no ano de eleição municipal, tal como aconteceu em todas os outros programas analisados.
Gustavo Henrique Cardoso Cavalcante, em sentença

Os gastos com cestas básicas em 2024 chegaram a dobrar perto da eleição, como cita o juiz: de R$ 51,4 mil, em junho de 2024, para R$ 102 mil em agosto do mesmo ano.

"Os réus alegaram que o aumento verificado no período se deveu à alta nacional de preços. O argumento é inconsistente, pois a elevação de preços justificaria aumento nos valores pagos e não um incremento das quantidades distribuídas", diz a sentença.

As planilhas que ancoram a defesa dos investigados não possuem um único sequer documento que comprove a origem dos números que ventilam. Assim, resta sobejamente comprovada a utilização da máquina pública, assim como de recursos financeiros públicos, a favor das candidaturas dos investigados, promovendo desequilíbrio no pleito e influenciando no resultado das urnas em 2024.
Gustavo Henrique Cardoso Cavalcante, em sentença

Recurso ao TRE

O prefeito Glêdson Bezerra divulgou uma nota logo após a decisão alegando inocência.

Recebo com tristeza, mas também com serenidade, a decisão proferida pela Justiça Eleitoral de Juazeiro do Norte. Tenho plena consciência da responsabilidade que assumimos diante da população e, por isso mesmo, reafirmo que recorreremos da decisão em segunda instância, com a confiança de que a verdade prevalecerá.
Glêdson Bezerra, em nota

Em vídeo gravado na manhã desta terça-feira (1º) no Instagram, ele afirmou que "nossos adversários não se conformam com a derrota".

Espero sinceramente que a gente possa conseguir reverter essa situação e que a vontade do povo seja respeitada. Vencemos uma campanha de Davi contra Golias. Eles acabaram perdendo para a gente, não se conformam com essa derrota e tentam ganhar no tapetão. Muito feio.
Glêdson Bezerra