TRE-CE cassa prefeito por apoio do CV em campanha e determina nova eleição

Ler resumo da notícia
O TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Ceará cassou por unanimidade, em votação ontem, o mandato do prefeito reeleito José Braga Barrozo, o Braguinha (PSB). O tribunal ainda determinou novas eleições em Santa Quitéria. Os desembargadores entenderam que a facção CV (Comando Vermelho) atuou para beneficiar a chapa vencedora na campanha de 2024, intimidando e ameaçando eleitores e até a Justiça do município.
O pleno da Corte negou o recurso da defesa do prefeito cassado e do seu vice, Francisco Gardel Mesquita Ribeiro (Progressistas), confirmando a decisão em primeira instância que havia condenado os dois políticos. Ainda cabe recurso ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
"Este é o caso mais emblemático, mais grave e ultrajante com o qual a Justiça Eleitoral deste estado já se deparou", afirmou o desembargador Luciano Nunes Maia Freire, relator do caso, em seu voto, citando que as provas do processo são "oceânicas".
Durante a campanha, a cidade foi pichada com ameaças a quem votasse no candidato rival Tomás Figueiredo (MDB). Em outubro de 2024, Braguinha venceu com 11.292 votos (41,01% do total válido), seguido por Tomás, com 8.106 votos, e pela candidata Dra. Lígia Protásio (PT), com 7.991 votos.
O candidato, no entanto, não chegou a assumir o novo mandato: foi afastado e preso preventivamente no dia 1° de janeiro de 2025.
Claramente foi violada a integridade da eleição de 2024 em Santa Quitéria, de forma flagrante, violenta, ilícita, lamentável, imoral, de maneira a afrontar a legitimidade e a lisura do pleito e macular a isonomia entre os candidatos, a interferir na liberdade do voto, na igualdade de disputa, de uma forma nunca vista nesta Justiça.
Luciano Nunes Maia Freire

O procurador regional eleitoral Samuel Miranda Arruda também tratou o caso como o "mais importante e emblemático" das eleições de 2024 no Ceará, mas ressaltou que a reprimenda veio de forma tardia.
"[O prefeito] deveria ter sido julgado por esta Corte em 2020, quando os fatos criminosos começaram em Santa Quitéria", disse, citando que a ação foi proposta pelo MPE naquele ano, mas que não resultou na cassação de Braguinha.
Entenda o que houve
O caso de Santa Quitéria chamou a atenção dos investigadores, e o MP-CE (Ministério Público do Ceará) entende que a ação foi inédita em termos de proporção e que a facção criminosa pretendia tomar o poder da cidade. Até mesmo o debate sobre tráfico de drogas foi paralisado no período.
Provou-se que eles estavam dirigindo a eleição para colocar no poder seus representantes. No caso, eles estavam de fato tentando assumir o Estado de Direito. Seria um 'balão de ensaio', um primeiro domínio [que fariam de cidade]. O caso mostraria que eles podem direcionar uma eleição em qualquer local.
Plácido Rios, subprocurador-geral de Justiça jurídico do MP-CE

A investigação apontou que Braguinha deu um carro de luxo a um líder do CV no Ceará, que foi evado do Ceará para o Rio de Janeiro como forma de pagamento pelos "serviços" da facção na eleição. No carro, levado por servidores da prefeitura, havia mais de R$ 1 milhão.
Quem recebeu o carro foi Anastácio Ferreira Paiva, conhecido como "Doze" ou "Paulinho Maluco", um criminoso natural de Santa Quitéria. Para os investigadores, esse seria um dos motivos para a "escolha" da cidade pela facção para o ensaio de como tomar o poder.
Logo após o carro ser levado ao Rio, a polícia diz que começaram as ações. A investigação cita que, em agosto do ano passado, um integrante do CV enviou uma "mensagem de cunho geral para todos os membros da facção". O recado era claro: quem não apoiasse os grupos políticos indicados por ele "iria sofrer retaliações", com possibilidade de "tocar fogo, dar tiros e quebrar vidros de carros".
Moradores recebiam mensagens pelo WhatsApp com ameaças até de serem expulsos de suas casas se não votassem em Braguinha.

As ações do CV na campanha incluíram, segundo a denúncia:
- Pichações em casas que tinham fotos de Tomás, adversário de Braguinha;
- Quebra de vidros e retrovisores de carros com adesivos de sua campanha;
- Ameaças de morte, agressão física e expulsão da cidade contra apoiadores de Tomás;
- Comerciantes eram obrigados a fechar bares que sediariam eventos de Tomás;
- Ligações telefônicas nas quais se ameaçava incendiar o prédio do cartório de Santa Quitéria (a ligação partiu da área de um presídio onde estava um integrante do CV).
O nível de intimidação era tão grande que as pichações apagadas por agentes da força pública eram refeitas imediatamente. As frases pichadas eram "Fora Tomás", "Tropa do CV" e "Tropa do Paulinho Maluco".
Defesa alega desconhecimento e nulidades
No julgamento de ontem, a defesa do prefeito e do vice argumentou que os candidatos não tinham conhecimento da ação do CV e questionou uma série de supostas irregularidades no andamento do processo que poderiam resultar na sua anulação. "Não temos prova, o nexo de causalidade [entre a facção e o prefeito] não existe", disse o advogado Valdir Filho.
Foram questionados os critérios de designação do juiz da primeira instância, uma suposta intempestividade do MPE na apresentação de recurso, uma alegação de cerceamento de defesa para se manifestar sobre documentos apresentados antes da audiência de instrução pelos procuradores e falta de acesso completo aos dados da quebra do sigilo fiscal e bancário dos investigados.
Todas as alegações foram rejeitadas pelo tribunal.
"É constrangedor o esforço hercúleo que suas excelências fazem aqui ao longo do processo para questionar, à toda a sorte, detalhes processuais que não têm a ver com o cerne do processo e com o que aconteceu em Santa Quitéria", disse o procurador regional.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.