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Carolina Brígido

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em ano eleitoral, STF empurra causa indígena para o fim da fila

Indígenas protestam na frente do STF em setembro de 2021 - Ana d"Angelo/UOL
Indígenas protestam na frente do STF em setembro de 2021 Imagem: Ana d'Angelo/UOL

Colunista do UOL

27/01/2022 11h40

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O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, deixou para o apagar das luzes de sua gestão o julgamento mais importante para os indígenas hoje: a definição da regra para demarcar terras das etnias. Fux pautou o processo para 23 de junho, penúltima semana antes do recesso de julho. Desde 2016, o caso adormece no tribunal. Em ano eleitoral, o mais provável é que haja novo adiamento e o assunto continue sem definição.

Fux, que deixa o cargo em setembro, priorizou na pauta do semestre processos que afetam diretamente as eleições de outubro. Logo no dia 3 de fevereiro, primeira semana da retomada dos trabalhos do STF, estão na pauta dois processos fundamentais para o pleito. O primeiro definirá se são constitucionais as federações partidárias, que permitem a união de legendas por quatro anos.

O outro processo discute quanto tempo um condenado pode ficar inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Ainda em fevereiro, o STF deve julgar uma ação que pode liberar propaganda eleitoral paga em veículos de comunicação na internet. Embora não tenha sido incluído na pauta, a expectativa é que seja julgado ainda neste semestre a ação que questiona o aumento do valor do Fundo Eleitoral para a disputa de outubro.

Até outubro, o mais provável é que outros questionamentos eleitorais surjam no STF. O mais provável que é a causa indígena seja cada dia mais empurrada para o fim da fila, até ser esquecida de vez. Segundo a tese do marco temporal, os indígenas só podem reivindicar terras onde estavam fisicamente presentes na data de promulgação da Constituição Federal - ou seja, em 5 de outubro de 1988.

A advogada Paloma Gomes, assessora jurídica do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), se preocupa com o risco de não haver conclusão do julgamento. No entanto, considera uma vitória que o tema tenha sido pautado para esse semestre.

"Há uma fala do presidente Luiz Fux de que a matéria indígena teria prioridade no Supremo. Embora não tenha sido concluído ainda o julgamento do marco temporal, a gente vê que várias decisões têm garantido os direitos indígenas, em um momento que o governo federal tem negligenciado a política indigenista, ", disse à coluna.

Para a advogada, a pressão da sociedade civil e de organizações internacionais será decisiva para o STF concluir o julgamento. "No ano passado, sete mil indígenas estiveram em Brasilia. Desde a Constituinte, não se via tanto indígena protestando. Isso foi fundamental para pautar o julgamento. A situação vai se acirrar ainda mais e certamente o Supremo vai ser convocado a exaurir esse julgamento", afirmou.

Se esquivar da discussão é uma forma de baixar o fogo na relação entre o tribunal e o Palácio do Planalto. O presidente Jair Bolsonaro defende a tese do marco temporal, que dificulta a demarcação de terras indígenas e favorece o agronegócio, importante pilar de apoio para o mandatário.

O caso dos indígenas é mais um exemplo de que, quando não toma uma decisão, o STF também decide. Quanto mais o tribunal demora a decidir, mais prejudica os povos indígenas, porque joga o assunto no colo do Congresso Nacional. Os parlamentares tendem a fixar o marco temporal - e, assim, reduzir as possibilidades de demarcação de terras para as etnias.

Nas últimas décadas, o STF consolidou o papel de defensor das minorias. Os ministros se orgulham de lembrar os julgamentos que garantiram direitos da comunidade LGBTQIA+, como a criminalização da homofobia e a legitimação das uniões homoafetivas. Mas o tribunal parece ter se esquecido que os povos indígenas também são minoria. Se o Estado não protege essas pessoas, o mais natural é que a mais alta corte do país, que se apresenta como progressista, assim o faça.