Carolina Brígido

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Opinião

STF revisa anistia para crimes da ditadura com recado a militares golpistas

A Lei da Anistia completou 45 anos em agosto. Há 14 anos, o STF (Supremo Tribunal Federal) sacramentou em plenário o perdão concedido a militares que cometeram crime durante a ditadura e também a militantes que lutaram contra o regime. Na época, o tribunal entendeu que a lei foi fundamental para selar a paz no Brasil e pavimentar a redemocratização.

Mas o assunto não está encerrado. No último domingo (15), o ministro Flavio Dino resolveu reabrir a discussão em um voto que atinge diretamente dois ícones da crueldade da ditadura militar: Lício Augusto Ribeiro Maciel e Sebastião Curió Rodrigues de Moura, ambos tenentes-coronéis do Exército que atuaram na Guerrilha do Araguaia.

Em 2015, o Ministério Público Federal acusou Maciel de homicídio qualificado e de ocultação de cadáver. Curió, que morreu em 2022, foi denunciado por ocultação de cadáver. A denúncia não foi recebida pela Justiça, sob o argumento de que os atos foram perdoados pela Lei da Anistia.

O recurso chegou ao STF em julho deste ano. Dino foi sorteado relator. O caso ainda não está pronto para julgamento, mas o ministro aproveitou um voto sobre uma questão processual para dar um recado contundente a militares que cometem crime.

Estava em discussão se o caso teria repercussão geral - ou seja, se a decisão que o STF tomar sobre o caso, quando tomar, será aplicada a outros processos semelhantes. Dino foi além. Não apenas defendeu a repercussão geral, mas adiantou que o desaparecimento forçado é um crime de natureza permanente.

"Como a ação se prolonga no tempo, existem atos posteriores à Lei de Anistia", escreveu Dino. "A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercerem seu direito ao luto, configura a prática do crime, bem como situação de flagrante", completou.

Ou seja, como os crimes ocorreram também após editada a Lei de Anistia, eles não seriam abarcados por ela. Portanto, os militares não estariam imunes ao julgamento e, eventualmente, à condenação.

O plenário virtual deve votar em breve se vai ser dada repercussão geral ao caso de Maciel e Curió. Não há previsão de quando o caso em si será julgado. Mas só o fato de o assunto ter sido trazido à tona agora mostra que o a formação atual tribunal pode não ter o mesmo entendimento do Supremo de 2010 - ao menos sobre crimes de desaparecimento forçado.

Reabrir a discussão sobre anistia a militares hoje não é coincidência. Enquanto o Congresso Nacional insiste em falar em perdão aos criminosos do 8 de janeiro antes mesmo do julgamento das autoridades suspeitas de participação na trama golpista, o Supremo tem encontrado formas de dizer que esse não é um caminho possível.

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O fato de Dino ter se incumbido de dar o recado também não é gratuito. O inquérito da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de Estado revelou que o general Mário Fernandes atuou para tentar atribuir a Dino, que na época comandava a pasta da Justiça, responsabilidade pelo 8 de janeiro.

A tendência é que o STF condene não apenas os executores da tentativa de golpe, mas também os militares e as autoridades que teriam planejado tudo. E, se aprovada pelo Congresso, a anistia não resistirá ao plenário do tribunal.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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