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Chico Alves

O churrasco de Jair Bolsonaro no dia dos 10 mil mortos

Presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto - Reprodução
Presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

09/05/2020 04h00

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*ATUALIZAÇÂO: O presidente Bolsonaro decidiu cancelar o churrasco, mas o fato de cogitar fazer uma reunião desse tipo em meio a uma pandemia com milhares de mortes já é absurdo o bastante e permite que o texto seja encarado como uma representação do que seria o evento.

- Quer bem passado ou mal passado?

Esta será a pergunta mais ouvida no Palácio da Alvorada dentro de poucas horas, dirigida aos convidados do churrasco organizado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Enquanto os convivas do ambiente descontraído estiverem sendo servidos de picanha ou coração de frango, fora dali, a maior parte dos brasileiros continuará imersa no clima de terror que a pandemia impôs ao país nas últimas semanas.

A perplexidade da população diante da covid-19 é cada vez maior. Ontem, o Brasil totalizou quase 10 mil mortes, com mais de 145 mil infectados, de acordo com as estatísticas oficiais. E os números continuarão subindo.

Nos hospitais públicos, sofrem os doentes e os profissionais de saúde. Os infectados se angustiam por não conseguirem vaga para atendimento. Enfermeiros e médicos, por serem obrigados a fazer a si mesmos uma pergunta bem diferente daquela que será repetida no churrascão presidencial.

Para eles, a questão é decisiva:

- Qual das vidas eu vou deixar de salvar?

Ninguém vai permitir, porém, que essa dramática guerra à pandemia estrague a alegria do convescote de sábado no Alvorada. Apesar de não haver bebidas alcoólicas, a animação terá o embalo de uma pelada, que deverá ser disputada debaixo de sol, como prevê a meteorologia.

Empenhados em acertar passes e cruzamentos, os peladeiros da patota de Bolsonaro estarão a salvo da inoportuna preocupação com os milhares que padecem de falta de ar causada pela covid-19, complicação que leva à morte como se fosse "afogamento no seco".

Naquele pedaço de Brasília, a tarde será reservada apenas para comemoração - mesmo que não se saiba por qual motivo.

Desnecessário para o presidente e convidados lembrar tragédias como a da família de Josiete Pereira do Carmo, moradora de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, que perdeu a mãe e três tios por causa do coronavírus. Ou do bebê de sete meses que sucumbiu à doença em São Paulo. Nem da saga da técnica de enfermagem Williane Maily Lins dos Santos, de 30 anos, morta depois de esperar mais de 24 horas por um leito com respirador em um hospital de Pernambuco. Ela tinha um filho de seis anos.

É preciso espantar a negatividade, como ensinou Regina Duarte na entrevista à CNN Brasil. "Vocês estão carregando um cemitério nas costas, vocês devem estar pesados", diria a secretária de Cultura aos que tentarem argumentar que é infame um presidente fazer churrasco enquanto o país enfrenta a maior pandemia da história.

"Fiquem leves", poderá repetir a ex-atriz, enquanto mordisca uma fatia de maminha.

Por esse esforço de otimismo, ela recebeu surpreendentes elogios do ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas-Bôas, que destacou o "humanismo" (?!), a "grandeza" e a "inteligência" de Regina.

Enquanto os convidados estiverem desfrutando desse clima relax, Bolsonaro poderá se divertir acompanhando no celular a movimentação dos malucos golpistas que prometeram entupir de caminhões a Praça dos Três Poderes. Têm como reivindicação o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, algo que a omissão das autoridades permite que se torne rotineiro.

Não muito longe dele, os filhos 01, 02 e 03 também poderão gastar tempo no WhatsApp ou no Twitter, comprando briga com o presidente da Câmara ou com um ministro do Supremo, ao som de música sertaneja.

Enfim, uma tarde divertida.

Doentes de covid-19 e profissionais de saúde em luta contra a falta de insumos e equipamentos que se entendam com governadores e prefeitos. Bolsonaro tem outras ocupações, como, por exemplo, saber se o pão de alho está do agrado de todos.

No início da noite de hoje, quando os brasileiros estiverem sob impacto do novo boletim do Ministério da Saúde, com a atualização do número de infectados e mortos pela pandemia, o presidente estará de barriga cheia.

Falta saber se prestará atenção quando o Ministério da Saúde anunciar que o país ultrapassou a casa das 10 mil vítimas fatais ou se, modorrento, vai cair no sono, roncando alto.