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Chico Alves

Covid-19 avança e governantes deixam população do Rio à própria sorte

Prefeito Marcelo Crivella, governador Wilson Witzel e presidente Jair Bolsonaro - Reprodução de vídeo
Prefeito Marcelo Crivella, governador Wilson Witzel e presidente Jair Bolsonaro Imagem: Reprodução de vídeo

Colunista do UOL

18/05/2020 13h58

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Dois meses depois do início da pandemia do coronavirus no Brasil, há muitos estados em situação alarmante. São Paulo, pelo tamanho da população a ser cuidada; Ceará, diante do surpreendente número de mortes; Amazonas, por causa do descontrole que resulta em vários óbitos... Em um dos estados, porém, verifica-se um peculiar encontro de fatores que potencializa o sofrimento da população: o Rio de Janeiro.

Em território fluminense, o povo e os profissionais de saúde fluminenses têm seu martírio multiplicado pela negligência e a má-fé das três instâncias de poder público: federal, estadual e municipal.

Como resultado, há barbaridades de todos os tipos. O número de leitos disponíveis aos doentes de covid-19 é muito menor que o prometido, há bem menos profissionais que o necessário, faltam equipamentos de proteção e medicamentos, médicos e enfermeiros padecem com atraso de salários ou remuneração menor que a contratada e, como não poderia deixar de ser, a corrupção consome o dinheiro destinado à saúde.

O exemplo mais gritante de gestão criminosa durante a pandemia é o governo estadual. Eleito com o discurso de que viria "limpar" a política depois que o Rio viu quatro de seus últimos governadores entrarem em cana, Wilson Witzel está enredado em denúncias consistentes de desvio de milhões de reais na compra de respiradores e instalação de hospitais de campanha.

Um de seus principais colaboradores desde a época de candidato, o empresário Mário Peixoto foi preso justamente por isso. Há também subsecretários atrás das grades.

Enquanto pacientes de covid (e outras doenças) morrem por falta de atendimento e profissionais de saúde se viram como podem na luta contra a pandemia, os corruptos da administração pública estadual e de empresas do setor roubam fortunas em contratos superfaturados.

Uma das interceptações telefônicas feitas pela polícia, apresentada ontem no programa Fantástico, dá ideia dos valores embolsados pela quadrilha. Um dos empresários presos, Luiz Roberto Martins Soares, diz a um interlocutor que agentes do estado sugerem que seja cobrado por respiradores um preço bem acima dos R$ 32 mil, que é o valor de mercado: "Tem gente do estado querendo que coloque na nota R$ 250 mil".

O mesmo empresário conta que a organização social IABAS foi a escolhida para a construção de hospitais de campanha com 1.400 leitos. Pela tarefa, receberá R$ 850 milhões (!). Para efeito de comparação: em Pernambuco, o hospital de campanha de Paulista, município do Grande Recife, foi entregue no dia 11 com 60 leitos ao custo de R$ 1,2 milhão. Por essa base, os mesmos 1.400 leitos custariam R$ 28 milhões.

Diante da ação da polícia, que trancafiou vários envolvidos (inclusive o ex-presidente da Assembleia Legislativa, Paulo Melo, que voltou para o xilindró), Witzel resolveu esboçar "providências". Anunciou a saída de seu secretário de Saúde, Edmar Santos. Ao deixar a pasta que é o epicentro de tantas denúncias de corrupção, no entanto, Santos foi nomeado pelo governador a uma "comissão de notáveis para acompanhamento da pandemia". Um escândalo dentro de outro escândalo.

O saldo final é que de mil respiradores comprados (uma parte com pagamento adiantado) somente 52 foram entregues, mesmo assim fora das especificações. Dos nove hospitais de campanha previstos, só três funcionam e com capacidade muito reduzida. Além disso, servidores da saúde reclamam de atrasos de salário.

No âmbito municipal, o prefeito Marcelo Crivella já vinha reduzindo o gasto com pessoal nas clínicas e hospitais desde que assumiu. Esse déficit de profissionais se faz sentir agora. Os pacientes ficam sem atendimento pela falta de médicos e enfermeiros e os profissionais que restaram também enfrentam atrasos no salário e falta de equipamentos de proteção.

Em meio a esse quadro desolador, Crivella, que é bispo licenciado, ainda tem a coragem de instalar um tomógrafo da rede municipal em um templo da Igreja Universal na Rocinha, comunidade que tem três postos de saúde adequados para esse fim.

Completa o descalabro a falta de coordenação do governo federal, que repassou aos estados recursos ridículos em comparação ao tamanho da pandemia. O projeto de ajuda a prefeitos e governadores foi aprovado pela Câmara no dia 7 e até agora o presidente Jair Bolsonaro ainda não sancionou.

Nem mesmo os seis hospitais do Rio que são de responsabilidade da União funcionam com um mínimo de qualidade. Além disso, o mesmo grupo criminoso que age no governo do estado também foi flagrado em negociações para vender álcool gel superfaturado para a Marinha. A desenvoltura do militar que negocia com a gangue leva a crer que a pática é rotineira. Como se vê, a corrupção também é um problema da esfera federal.

A picuinha entre o presidente Bolsonaro e o governador Witzel colabora para tornar tudo pior.

Essa irresponsabilidade dos governantes explica porque nos últimos dias o estado tem registrado cerca de 25% das mortes do país, apesar de não ter mais de 8% da população nacional. A incúria dos administradores públicos não poderia se confirmar em um momento pior.

Seja por corrupção, incompetência ou politicagem, que todos eles sejam cobrados com rigor por cada uma das vidas que estão deixando de salvar.