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Chico Alves

"Bolsonaro imita o modelo de milícias privadas dos EUA", diz especialista

Almir Felitte - Divulgação
Almir Felitte Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

06/06/2020 15h31

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O advogado Almir Felitte dedica boa parte de seu tempo a estudar questões de Segurança Pública. Mestrando da Universidade de São Paulo em Desenvolvimento no Estado Democrático de Direito, Felitte periodicamente publica artigos sobre o assunto e um deles, que criticava o afrouxamento de restrições ao uso de armas por parte do governo, teve como resposta uma série de ofensas e mensagens com discursos de ódio em suas redes sociais.

Apesar de não citar qualquer entidade dos chamados CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), o advogado, que é filiado ao PSOL, acabou despertando a ira de uma delas. Uma associação denominada CAC Brasil publicou no Facebook uma mensagem em que anuncia: "nós seremos a força de reação que irá proteger o país, apoiar o presidente e defender o Brasil das garras vermelhas, junto com as Forças Armadas".

"Apontei a possibilidade de a família Bolsonaro estar tentando imitar o modelo de milícias privadas dos Estados Unidos para trazer para o Brasil. Diferente das milícias cariocas, é um modelo mais politizado", explica Felitte, nessa entrevista à coluna:

UOL - Quando começaram as ofensas?

Almir Felitte - Em um artigo que eu escrevi, abordei a possível a interferência de grupos de apoiadores do governo Bolsonaro em uma portaria do Exército do fim de 2019. Foi uma história estranha. No mesmo dia em que a portaria foi editada pelo Comando de Logística do Exército houve muita reclamação por parte da base de apoio de Bolsonaro na internet, inclusive dois deputados bolsonaristas fizeram essa reclamação publicamente. Curiosamente, depois da reclamação, um dos deputados tranquilizou os seus apoiadores dizendo que o Exército tinha esclarecido que era um erro de digitação e seria corrigido. Esses erros levaram 17 dias para serem corrigidos e o que se viu depois não foi a correção de erros de digitação. Foi além. Estou falando da portaria 125 do Colog.

A portaria tratava de algumas regras para aquisição de armas e, entre essas, as regras para os chamados CACs, caçadores, atiradores e colecionadores de armas. Justamente a segunda portaria que revogou a primeira trouxe nove mudanças nos artigos e outras nove alterações que ampliaram o acesso dessas pessoas a armas.

Falei disso no artigo, já que tinha passado desapercebido pela maioria da imprensa. Não citei nenhuma entidade, mas essa associação se sentiu atingida, escreveu uma nota e fez afirmações preocupantes. Se colocam como uma grande força de reação para defender o governo Bolsonaro e que vai agir contra a esquerda. Isso levanta suspeitas. Usam na nota, as características que se usa para grupos paramilitares. Apontei no artigo que uma das condições para que se tenha formado milícias privadas nos Estados Unidos é o fato de a legislação ser frouxa sobre o controle de armas.

Foi claramente uma reação ao seu texto?

Em nenhum momento a associação CAC Brasil foi citada. Apesar disso, escreveram uma nota em que disseram que se sentem injustiçados por serem tratados como milicianos. Mas não citei qualquer entidade. A própria nota deles fala: "nós seremos a força de reação que irá proteger o país, apoiar o presidente e defender o Brasil das garras vermelhas, junto com as Forças Armadas".

Em seguida, houve uma onda de mensagens de ódio direcionadas a mim, feitas pelas redes sociais. Recebi muitos xingamentos. É preciso lembrar que a formação de grupos paramilitares é expressamente proibida pela nossa legislação.

Acha que os políticos e o Judiciário estão dando importância devida à questão da liberação de armas?

Acho que a gente está focando apenas na questão da indústria armamentista as nossas críticas. Tem sido pouco apontado esse risco da politização da questão do armamento. Tem ultrapassado muito a questão de apenas de se usar armas para legítima defesa. Hoje a gente vê muito a abordagem desse assunto de armas em grupos de extrema direita como forma de se fazer política. Esse discurso de "força de reação", "apoiar presidente" "proteger o país", usado por essa associação, é uma politização da questão do armamento que está sendo subestimada.

Houve uma portaria posterior, já de 2020, que dificultou o controle de armas e munições. A de 2019 muda a quantidade, abre brecha para que essas pessoas possam adquirir uma quantidade de armas maior que a exposta no decreto. Escrevi um artigo apontando para a possibilidade de a família Bolsonaro estar tentando imitar o modelo de milícias privadas dos EUA para trazer para o Brasil. Diferente das milícias cariocas, é um modelo mais politizado. Na reunião ministerial ele defendeu que se deve armar a população.