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Chico Alves

Ao queimar Decotelli, Fundação Getúlio Vargas saiu chamuscada

Carlos Alberto Decotelli - Divulgação
Carlos Alberto Decotelli Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

02/07/2020 10h57

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Ao ver seu nome incluído no imbróglio curricular de Carlos Decotelli, o homem que foi ministro da Educação por cinco dias, a Fundação Getúlio Vargas tentou escapar da confusão. Comunicou que, ao contrário do que constava do Lattes, Decotelli nunca foi professor da instituição. Viu-se depois que não é bem assim: efetivo ou não, Decotelli dá aulas há anos em cursos de MBA da FGV, recebendo inclusive homenagem por isso.

Foi o desmentido da fundação a gota d'água para que Bolsonaro decidisse voltar atrás na nomeação. Por sugestão do Planalto, Decotelli se demitiu.

A rapidez dos dirigentes ao tentar desvincular a instituição do currículo do ex-ministro acabou por trazê-la para o centro do episódio.

Ontem, em entrevista à jornalista Ana Carla Bermúdez, do UOL, Decotelli acusou a fundação de fraude, por tornar pública uma informação mentirosa. Além disso, apontou que a FGV defende "interesses obscuros, não declarados", com o objetivo de apoiar outro nome ao ministério.

Era tudo o que os dirigentes da instituição não queriam, já que recentemente a FGV apareceu no noticiário associada justamente a interesses obscuros e acusação de fraude — uma mancha inédita em sua trajetória respeitável.

Em abril do ano passado, a fundação foi citada pelo ex-governador fluminense Sérgio Cabral, preso por chefiar um milionário esquema de desvio de dinheiro dos cofres públicos. Ele disse ao juiz Marcelo Bretas que a grife era usada para dar o aval técnico a obras movidas a propina.

"Como a FGV é uma instituição, com muita justiça, de reputação, ela sempre foi usada como um biombo, de cobertura legal para efetivação de entendimentos prévios, digamos assim. Ela fugia da licitação e dava cobertura legal para estudos feitos por nós", contou, então, o ex-governador.

Cabral disse a Bretas que membros da fundação tinham ciência que os estudos milionários deveriam atender às decisões prévias do governo do estado. Por causa disso, a fundação virou alvo da Lava Jato. É também investigada em pelo menos quatro procedimentos do Ministério Público estadual.

Um desses contratos com a FGV teve o valor de R$ 19 milhões e foi assinado sem licitação. O objetivo era apontar razões técnicas para fazer a extensão do metrô do Rio à Barra da Tijuca. Na avaliação dos promotores, os estudos foram marcados por "fundamentação técnica rasa" e ausência de estudos de engenharia considerados essenciais, como relata o jornalista Ítalo Nogueira, em matéria publicada na Folha de S. Paulo em 29 de abril de 2019.

O MP destacou ainda o fato de um levantamento de tal complexidade conter apenas 17 páginas.

Para alívio dos diretores da instituição, as investigações estão sendo feitas sem alarde. O assunto submergiu. Foi o episódio da barafunda curricular de Decotelli que voltou a associar a FGV a notícias inconvenientes. Isso pode explicar a pressa em tentar manter o ex-ministro à distância.

Na época do depoimento de Sérgio Cabral à Justiça, os dirigentes negaram envolvimento da fundação no esquema e afirmaram que é a maior interessada em "estancar denúncias injustas".

Injustiça é, ironicamente, o que Decotelli diz ter sofrido agora por parte da FGV.

Não que o ex-ministro seja um santo. O doutorado e o pós-doutorado que constavam de seu currículo, como se viu, são fictícios. Difícil manter na pasta da Educação alguém com esse histórico.

Ele tem razão, porém, ao ressaltar que para pessoas brancas isso não é um problema -- há exemplos no governo que provam isso.
O embate com a FGV (que o tratou como professor em várias oportunidades) é outro momento desse triste episódio em que Carlos Alberto Decotelli parece ter razão.