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Chico Alves

O presidente Bolsonaro e os bandidos de estimação

Acusado de disseminar fake news, Oswaldo Eustáquio usa máscara com a foto de Bolsonaro - Reprodução de vídeo
Acusado de disseminar fake news, Oswaldo Eustáquio usa máscara com a foto de Bolsonaro Imagem: Reprodução de vídeo

Colunista do UOL

18/11/2020 15h40

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Pela gravidade da ameaça que representaram os ataques hackers aos computadores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é preciso que a Polícia Federal empreenda investigação rigorosa para chegar aos culpados. Não foi um crime qualquer. A ofensiva teve como objetivo bombardear a democracia representativa brasileira em seu momento mais decisivo, a votação.

Essa é uma nova e perigosa modalidade de delito no variado cardápio de tramoias que nos últimos anos enxovalharam a política brasileira.

Quem são esses bandidos tão ousados?

O presidente do TSE, Luis Roberto Barroso, deu bons indícios ao explicar a dinâmica no ataque em uma entrevista coletiva. Segundo ele, os hackers fizeram 436 mil conexões por segundo para tentar derrubar o sistema do tribunal, que conseguiu resistir.

Ao mesmo tempo, foram vazados no dia da votação dados de funcionários e ministros aposentados do tribunal com data de 10 anos atrás, como se tivessem sido obtidos agora. O objetivo era colocar sob dúvida o sistema de informática do TSE.

O movimento coordenado se completou com a chuva de fake news que se verifica desde domingo nas redes sociais.

"Milícias digitais entraram imediatamente em ação, tentando desacreditar o sistema", explicou Barroso. "Há suspeitas de articulação de grupos extremistas que se empenham em desacreditar as instituições, clamam pela volta da ditadura e muitos deles são investigados pelo Supremo Tribunal Federal".

O que o presidente do TSE indicou, mas não quis dizer com todas as letras, está escrito no relatório da SaferNet, que trabalha em conjunto com o Ministério Público Federal: perfis de militantes bolsonaristas estão entre os que mais divulgaram a teoria da conspiração.

O deputado Filipe Barros (PSL-PR) tuitou em tom de ironia: "TSE hackeado no dia das eleições. Mas as urnas eletrônicas são super confiáveis, viu?!". A publicação foi replicada por outra deputada pesselista, Alê Silva, de Minas Gerais.

Também integrante da ala bolsonarista do PSL, a deputada Bia Kicis, do Distrito Federal, compartilhou a seguinte mensagem do empresário Winston Ling, outro entusiasta do presidente: "Em dia de eleição, TSE é hackeado !? Hoje, 15/11, dia das eleições municipais, o grupo hacker Cyber Team anunciou que invadiu os servidores do TSE, e para comprovar o ator, expôs uma base de dados da entidade". A informação, sabe-se, é mentirosa.

Entre os que espalharam o boato infundado estava o blogueiro Oswaldo Eustáquio, bolsonarista entusiasmado. Ele foi ao Twitter para dizer que "a esquerda está decidindo quem vai para o segundo turno". A seguir, usou hashtag fraudenaseleições.

Investigado pelo STF por disseminar fake news e ameaças às instituições democráticas, Eustáquio estava proibido de usar as redes sociais e deixar Brasília, por determinação do ministro Alexandre de Moraes.

Tanto nessa postagem, quanto em outras, com informações mentirosas contra o candidato a prefeito de São Paulo Guilherme Boulos, infringiu as medidas cautelares. Moraes, então, determinou a prisão domiciliar do blogueiro, que passou a usar tornozeleira eletrônica.

Ao retornar à casa, depois de instalado o apetrecho, Oswaldo Eustáquio posou com uma máscara contra o coronavírus estampada com a foto do presidente Bolsonaro ao lado da sua.

A imagem presidencial não foi usada de forma leviana: Eustáquio é próximo do presidente e de seus filhos.

A anomalia parece ter virado regra geral na República, mas não custa destacar: não pode ser encarado como normal o fato de os apoiadores e familiares de Bolsonaro lançarem de tempos em tempos ataques para desacreditar as instituições. Os militares que estão no governo fingem não ver, mas o que acontece na real é que a trupe do político mais poderoso do país se tornou a principal ameaça à democracia.

É ainda pior. Caso seja confirmado, como Barroso deu a entender e muitos suspeitam, que o ataque hacker ao sistema do TSE foi parte de um plano conjunto que compreende a participação desses difamadores de redes sociais, trata-se de uma nova modalidade de crime organizado.

Se for assim, é preciso exigir do presidente da República uma explicação que esclareça seu posicionamento. O que tem a dizer sobre a atuação desses criminosos? Não custa lembrar que ele próprio mencionou repetidamente a palavra "fraude" nas últimas semanas, sem apresentar qualquer prova contra o TSE.

Desde que foi eleito, Bolsonaro usou várias vezes o refrão em que se gaba de não ter "bandido de estimação".

Pois bem: está chegando a hora de provar isso na prática.