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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Manual de etiqueta para senadores da CPI da Covid

CPI da Covid - Jefferson Rudy / Agência Senado
CPI da Covid Imagem: Jefferson Rudy / Agência Senado

Colunista do UOL

05/06/2021 04h00

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Ainda ecoa a gritaria contra o tratamento dispensado pelos senadores da CPI da Covid à médica Nise Yamaguchi. Políticos simpáticos ao governo, uma atriz global, o presidente do Conselho Federal de Medicina, lideranças evangélicas alinhadas com Jair Bolsonaro e até o presidente do Clube Militar botaram a boca no trombone.

Para eles, Otto Alencar (PSD-BA), Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e outros integrantes da comissão foram desrespeitosos com a médica, uma das principais defensoras do uso de medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina para tratar a covid-19, na contramão das principais instâncias científicas mundiais.

Diante da celeuma, a coluna sugere um padrão de conduta aos senadores, para que evitem novos constrangimentos. Aí vão alguns itens de uma espécie de manual de etiqueta, em defesa da boa convivência na CPI:

Evite indignar-se

Para começo de conversa, nunca expresse indignação demasiada com qualquer afirmação de um depoente ou convidado.

Mesmo que ela deixe claro que não tem base científica para prescrever remédios sem eficácia ou que não reste dúvida que ele está mentindo em assunto que pode representar a diferença entre a vida e a morte para milhares de brasileiros em meio à pandemia.

Exclamações de revolta não são de bom tom

Pergunta da discórdia

Nunca pergunte a um médico, médica, ministro ou ex-ministro da Saúde se ele sabe a diferença entre um vírus e um protozoário. Expor a ignorância alheia em público é algo muito deselegante.

Ainda que esse tipo de conhecimento seja básico para quem se dispõe a coordenar ou assessorar o combate à pandemia que já causou 460 mil mortes no país, a polidez deve prevalecer.

Resultados de exames

Se o médico ou médica jurar de pés juntos que seus pacientes tiveram melhora no quadro de covid-19 com uso de hidroxicloroquina, não é educado exigir dele (a) a relação com nomes, resultados de exames e testes que a levaram a tal conclusão. Muito menos dizer que ele (a) é leviano (a).

Afinal, o que são algumas sequelas perto das regras de boa convivência?

Remédio antigo

Se a depoente recorrer à justificativa cínica de que a hidroxicloroquina vem sendo usada há 80 anos e por isso não precisa ser testada, é recomendável evitar interrompê-la para dizer que esse uso se refere a outras doenças, como malária e lúpus, e não covid-19.

É óbvio que ela sabe disso e lança mão do argumento apenas para testar os senadores.

Revistas científicas

Nada de confrontar as pesquisas frágeis da convidada com os estudos das maiores instituições do planeta, que concluíram que cloroquina não presta para tratar a covid-19. É dispensável perguntar se os trabalhos que ela apresenta para defender o "tratamento precoce" foram publicados em alguma revista científica de ponta.

Afinal, os senadores são os anfitriões e devem evitar o mal-estar decorrente dessa situação.

Exames

Só porque a especialista convidada à CPI admite que a hidroxicloroquina não é indicada para quem tem arritmia cardíaca não é recomendável criticá-la por recomendar o uso indiscriminado do medicamento, sem a prévia realização de exames.

É também preciso se preocupar com o coraçãozinho da depoente, que pode ficar magoada.

Essas são algumas dicas que vão garantir o bom ambiente na CPI. Como diz uma atriz conhecida, certa ou errada, a depoente merece respeito. Mesmo se mentir ou se confessar atos de irresponsabilidade que podem ter levado muitos brasileiros a tomarem remédios ineficazes contra o coronavírus.

Seria grosseiro questionar se houve mortes decorrentes dessa propaganda do "tratamento precoce".

O fundamental é que a sessão da CPI termine em clima de harmonia.

Quem sabe, com todos irmanados, de mãos dadas e cantando uma bela canção.