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Chico Alves

REPORTAGEM

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Justiça para pobres pode ficar mais lenta, diz associação de defensores

Rivana Barreto - Divulgação
Rivana Barreto Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

11/11/2021 13h17

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O Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar amanhã 22 Ações Diretas de Inconstitucionalidade movidas pela Procuradoria-Geral da República para impedir que a Defensoria Pública continue a requisitar informações, documentos, processos e demais providências em favor da população mais vulnerável. Para a presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), Rivana Barreto, isso causaria ainda mais atraso na solução de causas judiciais dessa fatia da população necessitada.

"A justiça para pobres pode ficar ainda mais lenta", resumiu ela à coluna.

Presente em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal, a Defensoria faz 14 milhões de atendimentos por ano, suprindo a necessidade de grande parte da população que não tem recursos para contratar advogados.

Rivana acredita que a iniciativa do PGR faz parte de um pacote de restrição de direitos que é a tônica na guerra ideológica que se trava hoje no país. "A gente vem observando isso em todas as searas", afirma a presidente da Anadep.

Defensores e apoiadores do trabalho da Defensoria se mobilizaram nos últimos dias nas redes sociais para impedir o veto ao direito de requisitar documentos. Uma das personalidades que se manifestou foi a ex-BBB Juliette Freire, que é advogada.

Na entrevista a seguir, ela diz que espera a confirmação pelo STF do viés social de suas decisões e que os argumentos apresentados pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, sejam rejeitados.

UOL - Quais são os argumentos do procurador-geral da República para tentar impedir que a Defensoria Pública possa requisitar documentos?

Rivana Barreto - Acho que está havendo uma certa confusão, um receio de que a Defensoria faça o mesmo que o Ministério Público faz, que seria uma espécie de superpoder. Não é isso. Nosso poder de requisição não é para abrir inquérito, é um direito para as pessoas em situação de vulnerabilidade que é exercido através da Defensoria Pública para dar concretude à defesa de direitos, que está no artigo 134 da Constituição. São documentos que sustentam ações básicas.

Já despachamos com o procurador Aras e explicamos que houve uma má interpretação do que seria o uso do poder de requisição por parte da Defensoria. Não é o mesmo uso que o Ministério Público faz. É feito para atender pessoas que estão tão à margem da sociedade que muitas vezes não conseguem acessar um sistema de internet para buscar um documento próprio. Quando a requisição é feita pela Defensoria, facilita muito.

Em casos de busca por vagas em creches, por exemplo. A própria instituição pública informa as vagas disponíveis e assim se pode trabalhar para conseguir alocar as crianças. Também na situação de internação hospitalar, na pandemia de covid aconteceu muito isso.

As pessoas em situação de rua não têm nem a documentação civil básica. Então, através do poder de requisição a Defensoria consegue diminuir o tempo de solução de conflitos, inclusive possibilitando o uso para solução amigável, extrajudicial.

Quais serão as consequências caso o STF aceite os argumentos de Augusto Aras?

Vai gerar mais morosidade. Se não tivermos esse direito, vamos ter que recorrer a ações prévias em algumas situações para que o Poder Judiciário determine esse acesso aos documentos. Isso vai causar nitidamente uma demora na solução. Vai ter uma etapa a mais. Fora o impacto de dificultar a solução extrajudicial, inclusive com entes públicos. Isso tem sido muito comum na área da Saúde. O impacto vai ser sentido na resposta que o cidadão vai buscar no Judiciário. A justiça para o pobre vai ficar ainda mais demorada.

Além disso, parece que há um desequilíbrio, já que o Ministério Público, que é o braço acusador do Estado, pode requisitar documentos e a Defensoria, que é o braço que defende o cidadão, perderia esse direito.

Certamente. Se o Estado acusador tem acesso a todos os documentos relativos a uma pessoa, como é que o Estado defensor também não teria essa mesma paridade de armas para produzir a defesa efetiva, até no campo criminal?

No caso da ação em que ocorreram 28 mortes na favela do Jacarezinho, no Rio, a Defensoria precisou desse acesso às investigações para apresentar as ações de indenização dos familiares das vítimas. No caso da ADPF das Favelas (que restringiu operações policiais nas comunidades àquelas que tenham autorização do Supremo Tribunal Federal), também foi muito utilizado esse recurso para demonstrar o que estava acontecendo com a força policial. Tem habeas corpus coletivos que tratam de vagas e tratamento em unidades de internação de adolescentes.

Não existe a condição de super advogado. É apenas a defesa pública do Estado tendo as mesmas condições do acusador público. Isso serve para dar concretude a esse direito de acesso à Justiça.

A sra. vê alguma influência ideológica na iniciativa do PGR?

No geral, estamos vivendo um período de restrições democráticas. Isso para mim é muito claro. Essa questão para mim faz parte de um pacote de restrição de direitos. A gente vem observando isso em todas as searas. Isso é o que está acontecendo hoje no país.

Então, restringir o direito de requisição da Defensoria representa restringir a capacidade de enfrentamento da população vulnerável contra essa força estatal.
Afinal, estamos tratando de uma instituição pública, a Defensoria, que tem a prerrogativa de buscar junto a outras instituições públicas informações sobre as pessoas que estão buscando sua defesa. Não tem nada de estranho nisso.

Qual a sua expectativa quanto ao julgamento da questão no STF, amanhã?

Espero que haja sensibilização dos ministros do STF para essa necessidade de ampliação do acesso à Justiça. Os discursos do Supremo estão vindo nesse sentido, também de decisões sociais, e essa demanda tem cunho social muito forte. Tenho a esperança que esse entendimento do STF possa prevalecer.