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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro esnoba PF e dá entrevista chapa-branca à JP no papel de vítima

Ex-presidente Jair Bolsonaro fala sore suposta fraude em dados de vacinação - Reprodução/YouTube
Ex-presidente Jair Bolsonaro fala sore suposta fraude em dados de vacinação Imagem: Reprodução/YouTube

Colunista do UOL

03/05/2023 15h58Atualizada em 03/05/2023 16h39

O cenário colorido, onde predomina o fundo violeta, cheio de motivos adolescentes, que são a marca do programa Pânico, na TV Jovem Pan, ganhou súbita aura de seriedade quando o apresentador, Emílio Surita, perguntou: "O Bolsonaro tá aí? O próprio Bolsonaro?".

Começava assim a entrevista do ex-presidente, que poucas horas antes tinha sido alvo de busca e apreensão. Além disso, seis de seus auxiliares e apoiadores foram presos pela Polícia Federal sob acusação de fraudar dados de vacinação para entrar nos Estados Unidos.

Jair Bolsonaro recusou convocação para prestar esclarecimentos sobre a fraude à PF, sob argumentação de advogados de que ele não poderia falar antes de conhecer detalhes da investigação. Preferiu dar explicações à emissora onde é recebido sempre de forma amigável.

O primeiro entrevistador se encarregou de colocar Bolsonaro no papel de vítima, em que ele se manteve durante toda a entrevista. "O sr. se acredita vítima de um complô de funcionários que mudaram sem que o sr. soubesse o seu registro no Ministério da Saúde?", perguntou.

Na sequência, após a primeira pergunta de Surita, como já fez em outras oportunidades à frente das câmeras, Bolsonaro pareceu conter o choro e ficou com voz embargada. Isso ocorreu quando descreveu o momento em que a mulher, Michelle, teve que mostrar o cartão de vacinação aos policiais que cumpriram o mandado de busca e apreensão.

"Por que fico emocionado? Mexer comigo, sem problema. Mas mexer com filha? esposa?", justificou.

A seguir, retomou a pregação criminosa antivacina, colocando sobre os imunizantes dúvidas descabidas e classificando-os como "experimentais". Tentou justificar o fato de não ter vacinado a própria filha, por constatar na bula possíveis efeitos colaterais como "palpitação, dor no peito e falta de ar" —, como se todo remédio não tivesse avisos alarmantes em suas bulas.

Emendou com outros temas, para posar de vítima também frente a acusações que sofre na Justiça, como a motivada pela reunião que fez com embaixadores para descredibilizar o processo eleitoral brasileiro.

De quebra, vangloriou-se de supostas realizações de seu governo, como uma alegada redução dos feminicídios e diminuição de invasões do MST. Perguntado se já estava em campanha para uma próxima eleição, o ex-presidente confirmou que sua missão não terminou ainda. "Como candidato ou cabo eleitoral, a gente equilibra", comentou.

Continuou com um roteiro previsível, falando em defesa dos golpistas presos por participação nas depredações de 8 de janeiro e evocando a facada que sofreu por parte de Adélio Bispo, em 2018.

Em meio às perguntas afetuosas, houve ainda tempo para espanto do apresentador quando soube da detenção do tenente-coronel Mauro Cid - "aquele baixinho", como se referiu —, fato que toda imprensa vinha destacando desde o início da manhã.

"Ele tá preso??", escandalizou-se Surita.

A entrevista chegou ao fim com Bolsonaro se oferecendo para tratar sobre a fraude dos cartões de vacinação mesmo em ambientes menos amigáveis.

Citou "aquela grande rede de televisão", referindo-se obviamente à TV Globo. "Estou à disposição deles", disse.

Se isso acontecer, certamente será uma entrevista mais esclarecedora que o bate-papo protagonizado hoje, em que o ex-presidente pôde exercitar todo seu vitimismo.