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Bolsonaro transforma Brasil em mendigo no concerto das nações

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) - Adriano Machado/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

21/04/2021 18h18

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* Vinícius Rodrigues Vieira

O poder de um país não deriva apenas de seus recursos materiais, geralmente resumidos no dueto força militar e econômica. Um Estado soberano é essencialmente um ente simbólico, cuja força reside em sua reputação perante seus pares — isto é, a comunidade internacional.

Desastre diplomático, o presidente Jair Bolsonaro tornou-se, com sua falta de habilidade política e visão de mundo anacrônica, o principal passivo de nossas relações exteriores. Chegamos à Cúpula de Líderes sobre o Clima convocada pelo presidente americano Joe Biden como mendigos que, de chapéu na mão, dependemos da piedade alheia para termos o mínimo de voz numa área em que tínhamos tudo para dar as cartas: a política ambiental.

Ao caracterizar o Brasil como mendigo diplomático-ambiental, não me refiro à patética cena — já amplamente reportada e criticada pela imprensa — em que o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles passou o pires perante os americanos usando uma apresentação com uma imagem em que cachorros estão diante de uma máquina de frangos assados, sedentos por um pedacinho de carne ou pele repleta de gordura.

No credo bolsonarista, somos nada mais que cães famintos que somente protegeremos nossas florestas caso nos paguem bem. Essa é a mensagem nua e crua de Salles, que se acha esperto ao "passar a boiada" de leis que satisfazem a exploração indiscriminada de nossas riquezas naturais. Porém, não é inteligente o suficiente para saber que "televisão de cachorro" não é algo comum nos Estados Unidos, o que, portanto, limita o alcance de sua mensagem.

Já foram feitas as óbvias analogias com nosso complexo de vira-latas, talvez a única constante em nossas relações internacionais. Sob Bolsonaro, porém, não somos cães sarnentos. Antes o fôssemos, pois, nesse caso, quiçá alguém se apiedasse e nos salvaria do destino que acomete os caninos que perambulam pelas ruas em busca de alimento e carinho. Nada mal em uma era que alguns cachorros desfrutam de uma vida melhor que muita gente por aí. Banho e tosa são luxos para poucos.

Mais que vira-latas, viramos mendigos no concerto das nações. Nada contra aqueles que, sem alternativa, dependem da caridade alheia para sobreviver. Com uns trocados ali e um prato de comida acolá, um mendigo consegue prorrogar sua existência. Se esse papel já é degradante para um ser humano, o que dirá de uma nação que se restringe a circular por aí de pires na mão?

Sem dignidade, o Brasil sequer será visto como pária. É como se não existíssemos. Bolsonaro conseguiu transformar um país do nosso porte em algo invisível. Numa sociedade, essa é a principal característica do mendigo — um ser que não vive, apenas sobrevive. Viver implica em ir além de encher a pança — isto é, receber ajuda externa para quaisquer fins. Viver é fazer-se ouvido.

Com base nesse critério, o Brasil está morto. Se sob a liderança da ministra Marina Silva, titular do Meio Ambiente entre 2003 e 2008, consolidamos o perfil de potência ambiental que o presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992) começou a imprimir ao Brasil ao engajar-se nessa temática no pós-Guerra Fria, sob Bolsonaro viramos um mendigo diplomático-ambiental, condição agravada pela política deliberada de proliferação do coronavírus no país. Ou seja, somos hoje um gigante invisível que, uma vez investido de reputação e, portanto, capacidade de propor normas ambientais, passou a ver a boiada passar na diplomacia.

Como se diz em teoria de Relações Internacionais, deixamos de ser rule-makers (fazedores de normas) para nos contentarmos como rule-takers (literalmente tomadores — ou seja, receptores de normas). A julgar pela performance da diplomacia bolsonarista nesses quase dois anos e meio de desgoverno, esse é o papel que nos aguarda entre quinta-feira e sexta-feira. Eis a grande conquista de Bolsonaro et caeterva: convertermo-nos em pedintes — não de comida e dólares, mas de respeito e reputação.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e professor na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e na FGV