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Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Durante a CPI e, na prática, a teoria do bolsonarismo é outra

27.abr.2021 - O senador Ciro Nogueira (PP-PI) durante primeira reunião da CPI da Covid - Edilson Rodrigues/Agência Senado
27.abr.2021 - O senador Ciro Nogueira (PP-PI) durante primeira reunião da CPI da Covid Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Colunista do UOL

06/05/2021 15h28

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* Cesar Calejon

Conforme abordado em artigo prévio nesta coluna, a interseção do bolsonarismo com a pandemia entre os anos de 2020 e 2021 criou a tempestade perfeita para o Brasil: uma sindemia de caráter sanitário, político e econômico sem precedentes na nossa história.

Nos últimos quinze meses, o presidente Jair Bolsonaro, além de negar enfaticamente o problema, recomendar remédios comprovadamente ineficazes contra a covid-19 e combater as únicas medidas que foram prescritas por autoridades médicas e científicas ao redor do mundo contra o patógeno, criou uma crise institucional com múltiplas dimensões no que tange a conflitos internos no governo federal, entre os níveis federativos, com os outros poderes da República e junto à sociedade internacional.

Os resultados vêm sendo trágicos para o Brasil: da falta de estabilidade política, passando pela insuficiência do plano vacinal à ausência da colaboração internacional.

Agora, com mais de 410 mil mortes registradas oficialmente em decorrência da covid-19 e enquanto Jair Bolsonaro insiste em continuar trilhando o mesmo caminho, a tropa bolsonarista convocada para a CPI tenta, inutilmente, convencer os membros da comissão (e o restante do país) de que o mandatário brasileiro simplesmente não adotou as posturas que foram amplamente registradas em vídeos, pela imprensa e nas redes sociais.

Basicamente, a missão indigna e ingrata ficou a cargo dos ministros Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil), Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo), bem como dos senadores Ciro Nogueira (PP-PI) e Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado.

Contrariando a sua própria orientação sobre como se deve enfrentar uma situação desafiadora e calamitosa, Bolsonaro vem tentando, de todas as formas, esvaziar os recursos da CPI para que figuras-chave do processo não sejam ouvidas em caráter oficial ou tenham mais tempo para ensaiar as suas respectivas desculpas evasivas. Ou seja, na prática, a valente teoria do bolsonarismo é outra.

Assim, os esforços da "estratégia" utilizada pela base governista que luta pela isenção presidencial na CPI da Covid se resumem em duas dimensões táticas: (1) criar o tumulto e a confusão para atrasar ou embaralhar o processo e (2) negar veementemente os fatos que estão registrados e podem ser encontrados por meio de uma simples busca via internet.

Apesar de parecer absurdamente ilógico e estúpido, esse método bolsonarista constitui uma programática política idealizada pelo estrategista político Roger Stone.

Com uma tatuagem do rosto de Richard Nixon, ex-presidente estadunidense, estampada nas costas, Stone, um dos principais consultores políticos da campanha de Donald Trump em 2016, foi talvez a figura central responsável por estimular estes tipos de raciocínios na população mais conservadora dos Estados Unidos e, consequentemente, do Brasil e de outras partes do mundo em seguida.

Em seu livro, intitulado "Stone's Rules: How to Win at Politics, Business and Style" (em tradução livre, "Regras do Stone: como vencer em política, negócios e estilo"), Stone elaborou uma série de regras para sintetizar a sua filosofia de vida e de trabalho, entre as quais o autor ressalta que "é melhor ser infame do que totalmente desconhecido", "vale absolutamente tudo para vencer" e que um "bom político nunca deve admitir nenhum erro, mas sim negar tudo e lançar-se imediatamente ao contra-ataque".

Contudo, existe certo limite, que esbarra no esclarecimento dos fatos (objetivo central da CPI), considerando o que se pode conquistar utilizando esse tipo de estratégia proposta por Roger Stone.

Frente ao desafio inatingível que lhe foi atribuído, a tropa bolsonarista vem batendo cabeças e entrando, com muita frequência, em rota de colisão internamente, o que também reflete a natureza limítrofe e conflituosa do próprio bolsonarismo.

Apesar dos contextos díspares e das suas respectivas peculiaridades, a comparação fácil entre o nazismo e o bolsonarismo torna-se inevitável mais uma vez. Hitler, por exemplo, na iminência da derrota e cercado nos seus últimos dias no bunker, culpou de forma absoluta os seus generais mais próximos e, em última instância, o próprio povo alemão pela derrota nazista. Segundo o Führer, os alemães não estariam à altura do projeto que ele havia idealizado à nação.

Naquela ocasião, jovens de 13, 14 e 15 anos, voltando para casa caminhando por semanas, feridos e exaustos após sofrerem uma derrota sem sequer entender direito porque estavam lutando, foram rechaçados pelas próprias famílias como "perdedores".

Um avô de uma amiga próxima, que perdeu a perna direita em combate e mancou tragicamente até chegar ao seu antigo lar, ouviu da própria mãe que ele deveria ter morrido no campo de batalhas para poupar a família de tamanha vergonha.

Assim como o nazismo, o bolsonarismo também encarna esse modelo de sociabilidade que se baseia no ódio e que, no limite, se traduz em ódio à própria nação. Nessa empreitada, o regime bolsonarista arrasta parte das Forças Armadas e do Poder Legislativo para a inevitável derrota que se desenha no horizonte. Um Estado suicida, em última instância.

"Os que me criticam afirmando que eu não tenho alma ou princípios são perdedores. Perdedores amargos", resume Roger Stone em seu livro, referindo-se, inclusive, a alguns antigos aliados. Assim como fizeram Hitler, Stone e todos os outros ideólogos do caos que se utilizaram desta postura para conduzirem os seus projetos políticos, Bolsonaro culpará os seus aliados, defensores e seguidores no momento derradeiro da sua queda final.

* Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (EACH-USP). É, também, autor do livro "A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI" (Lura Editorial).