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Entendendo Bolsonaro

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonarismo escancara nacionalismo branco com ultradireita alemã

26 jul. 2021 - Beatrix von Storch, do partido de extrema-direita AfD, da Alemanha, ao lado do presidente Jair Bolsonaro e do marido, Sven von Storch - Reprodução/Instagram
26 jul. 2021 - Beatrix von Storch, do partido de extrema-direita AfD, da Alemanha, ao lado do presidente Jair Bolsonaro e do marido, Sven von Storch Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

26/07/2021 19h46

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* Vinícius Rodrigues Vieira

O presidente Jair Bolsonaro escancarou sua predileção pelo nacionalismo branco ao posar sorridente para foto ao lado de Beatrix von Storch, vice-líder do partido de ultradireita Aliança pela Alemanha (AfD), e seu marido, Sven von Storch. Para quem se dedica a levar o bolsonarismo a sério, nenhuma surpresa. O partido que o presidente tentou fundar, o Aliança pelo Brasil (ApB), imita o AfD até no nome e, conforme salientei nesta coluna em novembro de 2019, inspira-se em ideais de superioridade racial.

À época, destaquei as semelhanças entre o manifesto da ApB e do National Party (NP), que estruturou e deu sustentação ao Apartheid na África do Sul. Não precisamos, porém, ir ao passado para nos darmos conta do perigo que o bolsonarismo representa ao país e, sem qualquer exagero, à humanidade. Marginalizada pelo mainstream da política alemã, a AfD busca, nas palavras de von Storch, "fortalecer suas conexões e defender nossos valores cristãos e conservadores em nível internacional".

A formação de uma internacional ultradireitista ficou ofuscada pela pandemia e a derrota de Donald Trump na busca por um segundo mandato como presidente dos EUA. No entanto, não deixou de estar entre as prioridades do bolsonarismo no longo prazo. O projeto passava por fazer o filho do presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) embaixador do Brasil em Washington.

A globalização do bolsonarismo, tal como defini em julho de 2019, agora passa por Berlim e, conforme detalhado no fim da semana passada pelo El País, por reforçar laços com outros grupos ultradireitistas europeus na Espanha e Hungria, onde seu principal nome, Viktor Orbán, é primeiro-ministro.

Diferentemente de outras formas de autoritarismo que chegaram ao poder no Brasil, o bolsonarismo é o primeiro, portanto, a demonstrar afinidade com ideologias racistas. O Estado Novo de Vargas (1937-1945) tinha elementos fascistas, mas, sob o manto da democracia racial, acomodou os elementos não europeus da formação do Brasil a uma narrativa nacionalista que, na retórica, era claramente inclusiva. O mesmo ocorreu na ditadura militar (1964-1985).

Bolsonaro não ascendeu ao poder apesar de suas afinidades com ultradireitistas europeus que se travestem de conservadores, mas por compartilhar e expressar valores caros a racistas brasileiros que, ao apertar 17 nas urnas, escancararam seus preconceitos. Em Santa Catarina, estado onde o presidente obteve a maior votação proporcional em 2018 e que detém a maior proporção de brancos na população, o presidente lidera com folga as intenções de voto para 2022.

Os limites a um neonazismo à brasileira estão felizmente postos na política partidária. O Aliança pelo Brasil não obteve o número mínimo de assinaturas para ser oficializado como partido, e Bolsonaro segue sem legenda para 2022. Porém, ao aderir a um governo como esse, o Centrão assemelha-se cada vez mais ao Pântano, apelido do conjunto de parlamentares de centro-direita italianos que foram cruciais para a consolidação do poder do fascista Benito Mussolini nos anos 1920.

Ademais, na sociedade, ideais de superioridade racial, que não são exclusivos do bolsonarismo, encontraram terreno fértil para florescer nos últimos anos. Num país como o Brasil, em que os partidos têm a reputação de possuir tudo exceto ideologia definida, convém observar a emergência de uma bancada branca — um quarto "B" que se juntaria aos BBBs — bala, boi e bíblia — na sustentatação do presidente e as ideias que ele representa caso não venha a ser reeleito, servindo de eixo estruturante de um eventual movimento de oposição ao próximo mandatário.

A defesa de valores que conferiram centralidade à branquitude hoje encontram-se dispersos, por exemplo, nos discursos religiosos que concebem o Brasil como um país essencialmente cristão e a noções de honra masculina que remetem à era pré-industrial na Europa. Ficamos no aguardo dos líderes políticos e militares que vão condenar a aproximação de Bolsonaro — no papel de chefe de Estado — com a AfD. Pensando bem, após 550 mil mortes impunes, tudo está normalizado nesta Terra Brasilis.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e leciona na FAAP e em cursos MBA da FGV.