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Centrão quer blindar Bolsonaro com cargo de senador vitalício

Arthur Lira e Jair Bolsonaro - Paulo Jacob/Agência O Globo
Arthur Lira e Jair Bolsonaro Imagem: Paulo Jacob/Agência O Globo

Colunista do UOL

29/10/2021 11h59

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* Vinícius Rodrigues Vieira

Circula entre lideranças do centrão uma proposta abjeta: a criação do cargo de senador vitalício. O posto seria destinado ao presidente Jair Bolsonaro quando este deixar a presidência, garantindo-lhe imunidade parlamentar e foro privilegiado. A movimentação sugere que as elites política e econômica já se mobilizam para livrar a cara do atual chefe de Estado perante uma muito provável derrota na busca pela reeleição em 2022.

Essa proposta de anistia a Bolsonaro, divulgada pelo podcast Papo de Política, da GloboNews, sinaliza que há gente graúda disposta a ignorar os crimes dele à frente do Planalto. Atormentado pela ameaça de indiciamento imposta pelo relatório final da CPI da Covid e pelas crescentes mobilizações internacionais para que sua gestão da pandemia seja enquadrada como crime contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional, em Haia, o presidente teria, assim, um estímulo para desistir da reeleição. Tal movimentação, em tese, favoreceria um candidato ou candidata da chamada terceira via contra o líder das pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Não basta a ressurreição de Lula para que, nos últimos três anos, tenhamos voltado duas décadas. Exatamente após a primeira vitória do petista para a presidência, em 2002, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a criação do cargo de senador vitalício. Cabe registrar que o PT rejeitou tal manobra, que não seguiu adiante nos trâmites legislativos. O objetivo da criação do cargo era impedir que futuros ex-presidentes tivessem que responder a processos em primeira instância e ficassem vulneráveis a ações decorrentes de atos praticados como chefes de Estado e de governo.

O cargo seria criado por emenda constitucional e, portanto, não teria efeito retroativo. Assim, os ex-presidentes José Sarney (senador à época), Fernando Collor (hoje representante de Alagoas no Senado) e Itamar Franco (eleito senador em 2010 e falecido logo depois de tomar posse) não teriam direito ao cargo. Seria também o caso do tucano Fernando Henrique Cardoso, que estava prestes a passar a faixa presidencial para Lula.

FHC, porém, deu um jeito de proteger a si e seus colegas dias antes de deixar o mandato. Como lembra reportagem do UOL publicada à época em que Lula foi nomeado, em 2016, ministro-chefe da Casa Civil por Dilma Rousseff, em 2002, " [...] o deputado federal Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) apresentou um projeto de lei para proteger ex-presidentes dos juízes de primeira instância. A proposta teve rápida tramitação no Congresso e virou lei com a sanção de FHC nos últimos dias de sua gestão".

Em 2005, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a lei inconstitucional. Será que agora o Tribunal terá maioria para legitimar eventuais manobras similares àquela de FHC ou entrará num grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo, para impedir que Bolsonaro pague pelos seus crimes?

Como bem lembra o site O Antagonista, o ditador Augusto Pinochet foi feito senador vitalício como parte do pacto de transição democrática no Chile. Anos depois, o responsável pela morte de mais de 3 mil pessoas foi preso em Londres sob as ordens da justiça da Espanha, que agiu de modo a punir Pinochet pela morte de cidadãos daquele país durante o regime autoritário chileno (1973-1990).

Pinochet foi detido numa era em que a chamada justiça de transição, para punir crimes em regimes autoritários, tinha mais respaldo que atualmente. O triunfo dos valores liberais-democráticos no pós-Guerra Fria esvaneceu-se à medida que modelos políticos alternativos, notadamente o autoritarismo chinês, ganharam força junto com a ascensão de polos de poder além do Ocidente.

Bolsonaro, porém, ainda terá que conviver com a sombra de um eventual processo por crimes contra a humanidade em Haia. Cúmplice de vários atos desumanos, a elite político-econômica não deveria ter vergonha caso isso venha a acontecer. Ter um ex-presidente no banco dos réus no Tribunal Penal Internacional pode ser uma grande lição civilizatória ao Brasil. Porém, talvez esse seja o problema: o medo de encontrar algum grau de civilização afugenta a malta que nos (des)governa.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.