Topo

Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em filiação, Moro clama por um bolsonarismo sem Bolsonaro

Sergio Moro discursa ao oficializar sua filiação ao Podemos em cerimônia em Brasília - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Sergio Moro discursa ao oficializar sua filiação ao Podemos em cerimônia em Brasília Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

10/11/2021 21h04

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

* Warley Alves Gomes

Quando a Lava Jato estava em seu auge, não faltaram comparações entre o então juiz Sergio Moro e o conhecido personagem fictício Superman. O queixo quadrado, o porte físico e o penteado de Moro realmente lembram o herói. Os super-heróis estão na moda e Moro também estava. Mas as coincidências acabam aí. Olhando de perto, com lupa apurada, Sergio Moro, enquanto pessoa pública, é um sujeito medíocre. Embora o termo tenha um uso negativo, "medíocre" remete ao que é "de qualidade média", "mediano", "que não é bom nem mau". Leia-se: morno.

Na corrida presidencial, é possível ser tudo, menos morno. Ao que tudo indica, a campanha presidencial de Moro tem tudo para fechar com "chave de ouro" uma trajetória errante, imprecisa e característica de quem nunca deveria ter deixado o serviço público para entrar na vida política.

O fato é que a entrada do ex-juiz na vida política não se deu em prol do bem-estar público, mas sim em função de sua ambição, sendo a luta pela "justiça" apenas uma frágil fachada. É verdade que candidatos competitivos como Aécio Neves (2º lugar em 2014) e Jair Bolsonaro (1º lugar em 2018) tinham retórica não menos frágil nesse aspecto, mas, sinceramente, tenho dúvidas se o mesmo se passará com Moro. Isso porque, à luz do aspecto juvenil-playboy de Aécio e do jeitão informal e popular de Bolsonaro, Moro não tem muito mais a oferecer que uma retórica gasta, embalada em uma performance insossa.

Nesta quarta (10), no evento de filiação ao Podemos, com ar sisudo e com a imagem da bandeira do Brasil de fundo, Moro chamou a atenção, em diversos momentos, para o fato de não ter uma boa voz, nem saber fazer discursos e, sem muita habilidade retórica, tentou construir uma argumentação que coloca sua honestidade e senso de justiça como compensadores de sua falta de habilidade política.

Com o seu discurso, ficam evidentes os desafios para que sua campanha à presidência seja bem-sucedida. A todo o tempo, o tom defensivo se destacou, tendo sido necessário argumentar que, apesar de ter sido ministro do governo Bolsonaro — já um evidente fracasso político, administrativo e humanitário —, o ex-juiz nada teria a ver com ele. Por trás dessa jogada mal feita, está a ambição de estabelecer uma identificação com os "bons brasileiros": entenda-se, no vocabulário de Moro, os eleitores de Jair Bolsonaro em 2018.

Ainda no discurso, seguiu-se, então, uma série de elementos já conhecidos pelo público: combate à corrupção, à criminalidade, ao desemprego etc. Todos estes temas caríssimos para a população brasileira, mas, no caso de Moro, saíram de sua débil voz vazios de conteúdo. O ex-juiz não apresentou caminhos, projetos, mas se resumiu a proferir um discurso insosso. "Eu sonhava que o sistema político iria se corrigir após a Lava Jato. Que a corrupção passaria a ser coisa do passado (...)", disse ele, evocando um sentimento de traição, mais uma vez buscando se identificar com o eleitor que embarcou no messianismo bolsonarista.

Em alguns momentos, o pretenso ar ingênuo de Moro esbarrou com certa cafonice. Foi o caso de quando o ex-juiz contou uma historinha, sobre ter encontrado um estudante brasileiro que foi estudar no exterior e esse ter lhe feito a seguinte pergunta: "Moro, é verdade que você abandonou o Brasil?". Ao que o pré-candidato disse, com uma retórica digna de um estudante de Ensino Fundamental que decorou o texto de um trabalho, "Confesso que doeu. Foi como um tino no meu coração. Eu não poderia e nunca vou abandonar o Brasil".

Tal cafonice se torna ainda mais patética com a bandeira do Brasil de fundo. E esse é o ponto central de toda performance de Moro, que está não só no pano de fundo, mas em toda a composição da fraca atuação do ex-ministro: por mais que Moro deseje se desvencilhar do seu recente passado ao lado de Jair Bolsonaro, quase tudo nele remete ao atual presidente. Talvez possamos dizer, indo ainda mais longe, que a mensagem central do ex-juiz consiste em reivindicar um bolsonarismo livre de seus supostos traidores — ou um bolsonarismo sem Bolsonaro.

Nessa composição, foram retirados aqueles componentes mais toscos exibidos pelo modelo original: a informalidade, o escracho, a vulgaridade, a banalidade. No lugar de toda essa tranqueira, vemos um ar de civilidade e uma certa formalidade, mas não muito mais. Os fabricantes desse produto, provavelmente, terão de devolver o brinquedo para a fábrica, pois lhe falta um componente que a Jair Bolsonaro não faltava: espontaneidade.

Moro é como um daqueles bonecos dos anos 80, meio duros. Foi feito para um certo público, insosso como ele, brincar. É o candidato para quem consome livros de autoajuda e que, propositalmente, se esquece de que, como diria Riobaldo, personagem de Grande Sertão Veredas, "viver é muito perigoso".

Pois bem, a política também é e Sergio Moro não parece pronto para ela. Ele tem razão quando diz que sua voz não é boa, mas precisa prestar atenção ao fato de que sua performance, como um todo, também não é.

* Warley Alves Gomes é doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente leciona no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais - Campus Avançado Arcos. Também se dedica à escrita literária, tendo estreado com a publicação do romance O Vosso Reino, uma distopia realista que remete ao Brasil contemporâneo.