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Filiação ao PL revela o que Bolsonaro mais tenta esconder

Presidente Jair Bolsonaro durante transmissão ao vivo semanal nas redes sociais - Reprodução/Facebook
Presidente Jair Bolsonaro durante transmissão ao vivo semanal nas redes sociais Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

29/11/2021 22h24

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* Cesar Calejon

Na psicanálise freudiana, o mecanismo de projeção atua como uma espécie de defesa que o indivíduo adota, geralmente de forma inconsciente, e consiste em atribuir às outras pessoas algo que acontece no seu aparelho psíquico de forma pouco elaborada. Via de regra, esse mecanismo resulta na incapacidade de reconhecer as próprias questões, medos, identidades, erros e características de forma mais ampla. Ou seja, na prática, é como se todos tivessem defeitos, menos nós mesmos. Soa algo familiar com a forma como o atual presidente da República se conduz publicamente?

Ao longo dos últimos anos, Jair Bolsonaro vendeu a imagem de um homem forte, imune à corrupção e viril, mensagem resumida na expressão "incorruptível, imorrível, imbrochável e incomível", fartamente reproduzida entre os seus seguidores.

Nesse sentido, a filiação de Bolsonaro ao Partido Liberal (PL) representa mais um mecanismo de projeção do mandatário brasileiro. Ao se filiar a um partido do "Centrão", Bolsonaro casa formalmente com uma das agremiações mais fisiológicas da política institucional brasileira. A mesma que ele prometeu reformar há apenas alguns anos, com ar de Messias do combate à corrupção. Incorruptível, mas nem tanto.

O PL, que se diz um partido liberal e ao mesmo tempo conservador, esteve no centro de alguns dos principais escândalos de corrupção dos anos recentes, incluindo até o "Mensalão", que foi utilizado para atacar o governo Lula e pavimentou as primeiras vias para a concretização do antipetismo e da ascensão do bolsonarismo, consequentemente.

Criado em 1985, com o fim da ditadura militar, alguns dos seus principais fundadores eram oriundos de partidos que apoiavam o regime antidemocrático, tais como os atuais PP e DEM (antigo PFL), por exemplo. Resumindo, figuras políticas da estirpe de Paulo Maluf. Contudo, a filiação desesperada ao PL tem as suas explicações.

Primeiramente, nenhum outro partido o aceitou. Depois, há mais de dois anos sem afiliação partidária e com 66 anos de idade, vendo a sua popularidade despencar para menos de 20% pela primeira vez em seu mandato, o presidente passa a ser confrontado com os fantasmas que assombram todos os políticos que envelhecem perdendo a credibilidade de forma avassaladora: imorrível, mas nem tanto.

Recentemente, a notícia de uma suposta traição praticada pela sua ex-esposa com um bombeiro expôs a fragilidade, que eventualmente acomete todos os homens, do "machão dos machões". Imbrochável, mas nem tanto.

Infelizmente, para o atual presidente da República, a psicanálise é hoje capaz de identificar e interpretar esses comportamentos. O mecanismo de projeção é amplamente usado para detectar determinados traços de caráter, como as motivações, os problemas e as frustrações do sujeito. Sabemos, por sua vez, que as tendências projetivas se desenvolvem de maneira forte nos tipos paranoicos. Sugestivo, não?

Pessoas com esse perfil apresentam, ainda segundo a psicanálise, uma inclinação a julgar terceiros, constantemente. Assim, todos (exceto ele) são corruptos, quilombolas não servem sequer para procriar, mulheres nascem com esse gênero porque o pai fraqueja no momento da concepção e gays não deveriam existir, por exemplo, conforme Bolsonaro expressou múltiplas vezes durante a sua vida pública.

Para ter chances de ir ao segundo turno e ser competitivo em 2022, Bolsonaro precisará sentar-se ao divã e se dedicar a algumas boas horas de análise para combater as suas tendências projetivas. Elas revelam tudo o que o presidente mais tenta, desesperadamente, esconder.

* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter) e Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente).