Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Crianças brasileiras são as novas vítimas do bolsonarismo
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* Cesar Calejon
Ao longo dos últimos três anos, a população brasileira foi confrontada com todos os tipos de atitudes absurdas por parte do governo Bolsonaro. Desde março de 2020, contudo, o bolsonarismo passou a mostrar a sua face mais nefasta.
Aliado ao coronavírus, o bolsonarismo negou a ciência, estimulou o ódio contra os profissionais que lutaram contra a doença e produziu um verdadeiro caos em todas as searas da vida social do país. A interseção entre o atual governo federal e a pandemia produziu uma espécie de tempestade perfeita, conforme ressaltado em outros artigos publicados nessa coluna, com mais de 618 mil vítimas fatais até esse ponto.
A despeito de toda essa catástrofe, nenhuma outra medida poderia ser mais cruel e sintomática, considerando a verdadeira natureza do bolsonarismo, do que a oposição exercida contra a vacinação infantil ao longo dos últimos dias.
Ao se negar a conduzir a imunização infantil imediatamente, a exemplo do que vem sendo feito em diversos países ao redor do mundo, o governo Bolsonaro transforma as crianças brasileiras nas suas mais recentes vítimas e demonstra não possuir limites para as suas insanidades na direção de fidelizar a parcela, cada vez mais reduzida e fanática, da população que ainda o apoia.
Expor crianças ao risco de morte por conta de cálculos políticos é de uma perversidade pouquíssimas vezes registrada, mesmo entre os regimes e governos mais despóticos e distópicos da história.
No embate criado pelo bolsonarismo contra a Anvisa, um tempo precioso e, consequentemente, as vidas das crianças brasileiras estão se perdendo. Além disso, em meio à ascensão de uma nova variante que é extremamente contagiosa, a imunização deficitária também compromete toda a população brasileira de forma mais ampla.
Infelizmente, o bolsonarismo conseguiu criar dúvidas de todas as ordens, o que levou à judicialização de um tema sobre o qual as autoridades médicas e sanitárias não têm dúvidas: as crianças de 5 a 11 anos devem ser vacinadas. Com o prazo fixado pelo STF, o governo deve anunciar uma posição a respeito apenas a partir de 5 de janeiro. Ou seja, mais de duas semanas perdidas por uma dimensão meramente política, assim como aconteceu no início da pandemia, em março de 2020.
Historicamente, quando existem competências concorrentes entre a União e os entes federativos, o STF esteve inclinado a manter a centralização na autoridade federal em detrimento dos poderes locais e tem sido centralizador e uniformizador da atividade legiferante nacional. Assim, os conflitos de competência são tipicamente decididos contra o poder local, segundo especialistas em direito constitucional consultados por essa coluna.
Ou seja, a centralização (planejamento e coordenação central) é percebida como algo positivo ou de necessidade prática em muitos casos quando existem divergências sobre determinadas atribuições.
Durante a pandemia, contudo, o STF deliberou por um nível maior de autonomia estadual, considerando as respostas elaboradas contra a covid-19. Fundamentalmente, porque o governo federal não apresentou qualquer planejamento estruturado para lidar com a crise no âmbito nacional. A Corte entendeu que centralizar as atenções em uma administração inepta seria inviável e agravaria ainda mais o cenário brasileiro.
A Carta Magna do Brasil (1988) determina quem tem poder para fazer o que e quando. Contudo, esse desenho não é muito claro e oferece margens para interpretações. Existem competências materiais (executar tarefas) e legislativas (legislar sobre casos) que muitas vezes ficam sobrepostas a cargo da União, dos estados e municípios.
O STF, por ser o tribunal constitucional, acaba sendo a última instância considerando a disputa desses conflitos sobre o que significam essas normas constitucionais com relação às competências. O que a literatura científica vem comprovando é que, na maior parte dos casos, existe uma inclinação maior do STF em direção a dar mais prerrogativas e poderes à União quando existem conflitos de competências.
Na pandemia, dada a ausência de planejamento e da articulação da autoridade central no sentido de estabelecer um plano claro de combate à doença em todos os estados e municípios, o STF vem tentando neutralizar a interferência do bolsonarismo, que nesse caso contraria, reiteradamente, a ciência e cria todos os tipos de problemas. Ainda assim, nesse caso, caberá ao Ministério da Saúde, ainda que contra a sua vontade, anunciar à sociedade uma decisão final sobre a vacinação infantil.
Com todas as mortes, crises e destruição que foi produzida até aqui, ao que tudo indica, o bolsonarismo segue engajado no seu projeto genocida. O agravante inacreditável, nesse momento, é que os novos alvos do governo Bolsonaro são as crianças brasileiras.
* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter) e Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente).
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