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Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ao politizar facada, Bolsonaro produz um ruído conveniente para si

3.jan.2022 - Bolsonaro publica foto em hospital após passar mal durante folga em SC - Divulgação/Twitter/@jairbolsonaro
3.jan.2022 - Bolsonaro publica foto em hospital após passar mal durante folga em SC Imagem: Divulgação/Twitter/@jairbolsonaro

Colunista do UOL

04/01/2022 09h11

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* Cesar Calejon

O presidente Bolsonaro foi internado na madrugada de segunda (3) com um quadro de obstrução intestinal, conforme apontou o seu boletim médico. Prontamente, o presidente usou uma de suas redes sociais para afirmar que "é a segunda internação com os mesmos sintomas, como consequência da facada e quatro grandes cirurgias".

Ao mencionar o evento do dia 6 de setembro de 2018, Bolsonaro, à sua maneira, evidencia a importância do fato para a vida sociopolítica do país, por meio de desinformações que visam a barrar uma investigação profunda sobre o que aconteceu naquela ocasião.

O Plano Cohen, o atentado no Riocentro e a participação estadunidense no golpe militar de 1964 ou na Operação Lava Jato, por exemplo, foram eventos decisivos para os rumos sociais e políticos da nação e, por décadas, foram considerados como "teorias da conspiração" por parte da população e da imprensa nacional.

Naturalmente, os cidadãos comuns não têm a obrigação de investigar a natureza e a legitimidade dos fatos quando surgem dúvidas sobre uma situação que muda a trajetória nacional, porque, via de regra, eles podem simplesmente agir motivados por paixões ou inclinações partidárias. Os jornalistas têm.

Após a facada e com Lula inelegível, em pesquisa publicada no dia 11 de setembro pelo Ibope, Bolsonaro apareceu na liderança da disputa presidencial pela primeira vez: o então candidato do PSL saiu de 20% das intenções de voto, em agosto, para 26% a menos de um mês das eleições. Evidentemente, "a comoção após o ataque à faca impulsionou a candidatura", ressaltou o texto do jornal A Gazeta do Povo, bem como fizeram as manchetes de diversos outros veículos de imprensa.

Nesse sentido, o fato é que o atentado potencializou a candidatura de Bolsonaro e foi um fator decisivo para a sua eleição. Cabe, portanto, que a ocorrência seja submetida ao escrutínio público com maior critério e rigidez, principalmente quando o presidente da nação se refere, de forma reiterada e explicitamente, a essa questão.

Por exemplo, quem financiou os custos da defesa de Adélio Bispo? Por que Rodrigo Morais Fernandes, responsável por comandar a investigação sobre a facada em Jair Bolsonaro, foi enviado para trabalhar por dois anos em Nova York, nos Estados Unidos? Por que Maria das Graças de Oliveira, irmã de Adélio Bispo de Oliveira, afirma (em entrevista) que Adélio pediu que ela trocasse seu atual advogado?

Em entrevista concedida ao UOL News, no dia 12 de novembro de 2021, Pedro Possa, um dos advogados de Adélio Bispo, afirmou que uma pessoa cuja identidade é mantida sob sigilo quis financiar a defesa de Adélio por "amor ao próximo".

Na semana passada, a Polícia Federal enviou o delegado Rodrigo Morais Fernandes, responsável por comandar a investigação sobre a facada, para atuar por dois anos em Nova York, nos Estados Unidos. Morais vai exercer a função de oficial de ligação da Polícia Federal junto à Força Tarefa de El Dorado, no escritório da Homeland Security Investigations, que é o braço investigativo do departamento de segurança interna dos EUA.

Fernandes foi o delegado responsável por dois inquéritos: o primeiro, conduzido em 2018, apontou que a motivação do crime se deu por inconformismo e divergências considerando ideologias políticas. O outro, que foi finalizado em maio de 2020, chegou à conclusão de que Adélio agiu por determinação própria, sozinho e sem mandantes ou o auxílio de outras pessoas. Adélio foi considerado inimputável, o que significa ser inapto a assumir a responsabilidade pelos seus próprios atos, basicamente, por incapacidade mental.

Por fim, a irmã de Adélio disse enfrentar muitas dificuldades para entrar em contato com o atual representante legal de seu irmão, que estaria negligenciando sua obrigação de manter contato com a família de seu cliente. Desde o atentado, Adélio foi isolado do mundo, basicamente, e não foi interpelado em outras instâncias, como frequentemente acontece com criminosos que cumprem as suas respectivas penas em regime fechado, inclusive.

Muitas dúvidas permanecem sem respostas no que diz respeito ao episódio da facada, assim como aconteceu com todos os outros eventos citados no começo desse artigo, que permaneceram nebulosos por décadas, fundamentalmente, porque o estigma da "teoria da conspiração" impede o escrutínio mais rígido e objetivo dos profissionais que deveriam se dedicar a essas questões: evita-se falar do assunto, porque não existem "provas materiais" e não surgem as provas devido à ausência da atividade investigativa, por conta do receio de ser estigmatizado.

Ao politizar a questão, em sua desesperada corrida contra o tempo para as eleições de 2022, Bolsonaro joga, como sempre, com a sua habilidade de produzir ruídos e dissuadir a população das questões que, verdadeiramente, deveriam ser respondidas neste caso.

* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter) e Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente).