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Pastores sucedem Olavo na guerra cultural bolsonarista
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* Vinícius Rodrigues Vieira
Olavo de Carvalho se foi. Quem fica em seu lugar? Tal como explorado extensivamente nesta coluna por outros colegas, o radicalismo bolsonarista foi perdendo espaço na luta política à medida que a realidade se impôs ao presidente Jair Bolsonaro, que busca a reeleição. Parafraseando a declaração de Tancredo Neves a respeito do PSD do intervalo democrático de 1946-1964, entre a Bíblia e o Capital de Karl Marx, o Centrão fica sem dúvida com o Diário Oficial. No entanto, sempre com um olho nas escrituras sagradas.
Entendendo por bolsonarismo um movimento de ultradireita de massas que congrega a pequena burguesia, o grande capital, o agronegócio, as forças de segurança e, claro, os evangélicos, podemos dizer que o seu principal ponto de convergência com a doutrina de Olavo de Carvalho está na busca por um Brasil ocidental.
Se na cor de pele e demais traços fenotípicos estamos longe do Velho Mundo, na religião a história é outra. O cristianismo seria o elo de ligação que olavistas e bolsonaristas gostariam de restaurar na esfera pública. Ainda que Olavo fosse crítico dos evangélicos, tendo chegado ao ponto de chamá-los de 'evanjegues', eles seriam, segundo essa visão, uma base fundamental para afastar o Brasil do comunismo — este entendido como tudo aquilo que a esquerda tradicionalmente defendeu, inclusive a noção de um Brasil multicultural e/ou sincrético.
Assim, na esfera intelectual, o legado de Olavo está pronto para ser substituído pelos pastores do bolsonarismo, tal como as pregações de Edir Macedo e Silas Malafaia sugerem. O bispo Renato Cardoso, genro de Macedo e seu provável sucessor à frente da Igreja Universal do Reino de Deus, publicou recentemente texto em que diz que é impossível ser cristão e de esquerda ao mesmo tempo.
Macedo já esteve com Lula, hoje pintado como demônio por alguns pastores, fiéis e outros membros da base bolsonarista. Nada contraditório. A fé como negócio no Brasil foi criticada pelo próprio Olavo, tal como lembrei em coluna publicada em novembro passado.
"Uma coisa que eu achei estranho é o seguinte: [Martinho] Lutero [líder da Reforma Protestante] tem toda uma teologia da vocação. E eu achei que, quando entrassem essas igrejas evangélicas no Brasil, elas iam trazer isso e ensinar para as pessoas a importância da vocação. Nunca vi nenhuma igreja evangélica falar disso", opinou o guru do bolsonarismo a Felipe Moura Brasil em 2017.
Nesse sentido, Olavo morreu vítima de uma dupla traição. Uma já era esperada: os pastores não compraram seu projeto na íntegra. A outra foi mais sentida: ao exibir um livro de Olavo na primeira live depois de ser declarado presidente-eleito, Bolsonaro colocou-o ao par com a Bíblia, também posta sobre a mesa, e "Memórias da Segunda Guerra", de Winston Churchill.
Deste último, Bolsonaro emula apenas o racismo. Jamais alguém com dois neurônios poderia esperar que o capitão pudesse ser estadista. As ideias de Olavo ficaram pelo caminho. Sobrou apenas a força da palavra — não a de Cristo, mas a dos vendilhões do templo.
Talvez seja esse o destino de toda a análise intelectual que se pretende profética e que serve, no fim, para manter as massas leais aos governos não obstante seus descalabros. Ou seja, trata-se, em última instância, da política e da vida intelectual sem qualquer vocação. Não é que Olavo tinha razão?
* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.
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