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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Negacionismo e política da morte levam, novamente, à lotação de UTIs

O presidente Jair Bolsonaro fala à imprensa em Paramaribo, no Suriname - Clauber Cleber Caetano/PR
O presidente Jair Bolsonaro fala à imprensa em Paramaribo, no Suriname Imagem: Clauber Cleber Caetano/PR

Colunista do UOL

27/01/2022 17h00

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* Cesar Calejon

A ciência, sobretudo no que diz respeito às disciplinas médicas e exatas, é assumida como parâmetro básico para as formulações nessas searas por um simples motivo: ela funciona. Em meio a um novo aumento na ocupação das UTIs em todo o Brasil e nas ocorrências de mortes por conta da variante Ômicron, dados demonstram que algo em torno de 80% e 90% das pessoas que hoje estão internadas em diferentes estados não se vacinaram completamente.

Em entrevista à coluna, Ivan Paganotti, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Metodista de São Paulo (PósCom/UMESP), que estudou a estratégia de comunicação do bolsonarismo no início da pandemia no Brasil, explica como as notícias falsas, que foram disseminadas por meio de pulsos de desinformação nos grupos bolsonaristas, ajudam a explicar o fracasso brasileiro no enfrentamento da covid-19.

Durante a primeira onda, em janeiro (de 2020), quando o Brasil ainda não tinha vítimas confirmadas da pandemia, esses grupos bolsonaristas de WhatsApp já estavam disseminando teorias da conspiração considerando a origem do vírus e a possível participação chinesa na produção da doença com fins geopolíticos e econômicos.

No segundo momento, entre março e abril de 2020, quando surgiram os primeiros casos confirmados da doença no país e a população brasileira estava assustada com a possibilidade da contaminação, os grupos de WhatsApp bolsonaristas começaram a falar em prevenção, remédios caseiros e chá com limão, por exemplo. "(...) Uma espécie de defesa mágica (contra o vírus) para que as pessoas pudessem continuar vivendo de forma natural — instrumentalizar a saída — como se a doença não existisse ou não representasse um grande risco à população", explica Paganotti.

A terceira onda, que ocorreu entre o fim de abril e o começo de maio de 2020, também foi sobre supostas curas e tratamentos contra a doença. Com ela, veio a questão da cloroquina, que se tornou um instrumento "identitário do bolsonarismo, quase tão expressivo quanto o símbolo de representar as armas utilizando as mãos", compara o pesquisador. "Utilizando o Diagrama de Venn, os círculos que englobam as pessoas que eram bolsonaristas e as pessoas que defendiam o uso da cloroquina apresentavam um alinhamento muito grande", complementa Paganotti.

Na quarta onda houve uma seletividade das fontes médicas utilizadas neste sentido. Quando os estudos reforçavam a visão bolsonarista, eles eram compartilhados com mais ênfase. Quando eles demonstraram o contrário, os trabalhos eram ignorados (pelos grupos de WhatsApp bolsonaristas). Sem qualquer critério, além do alinhamento ideológico com o bolsonarismo. Naquele momento, também surgiram especulações sobre caixões vazios sendo enterrados, hospitais sem pacientes e unidades de saúde que estariam deliberadamente provocando a morte de pessoas que eram internadas com a covid-19.

Estas ideias vinham acompanhadas de imagens sem contexto que eram, geralmente, de hospitais que haviam sido inaugurados em anos anteriores ou de denúncias de fraude de seguros. Elas foram usadas para reforçar que as pessoas não estavam morrendo e a população estava sendo enganada. Como mencionado anteriormente, o objetivo central era garantir que a população ignorasse as recomendações de distanciamento social para manter a economia aquecida.

Em maio de 2020, uma quinta onda de desinformação apresentou dados deturpados de cartórios brasileiros, comparando anos inteiros com períodos de apenas três ou quatro meses, para avançar o raciocínio de que o número de mortos em 2020 não era superior ao registrado em anos anteriores por conta de gripes comuns.

"Muitos veículos e jornalistas conhecidos no âmbito nacional, como Alexandre Garcia, por exemplo, utilizaram estes dados oficiais que foram interpretados com o propósito específico de relativizar a seriedade da crise sanitária, o que acabou por confundir ainda mais a população", acrescenta o professor. Esta semana, por exemplo, o escritor Olavo de Carvalho, que afirmava veementemente que a pandemia não mataria ninguém, morreu de covid-19.

A sexta e última onda inicial de desinformação ocorreu entre os meses de junho e julho de 2020 e abordou o tema das vacinas e possíveis tratamentos. Quando o debate público se voltou para este tema, os grupos bolsonaristas começaram a questionar a eficácia das vacinas, estratégia que foi adotada por Bolsonaro.

"Faz sentido de acordo com a lógica de radicalização (da sociedade) que segue o bolsonarismo. Ou seja, existe um movimento 'anti-vacinas' que se fortalece a partir deste momento e que tinha uma proximidade com as ideias avançadas pelo [então presidente dos Estados Unidos] Donald Trump", pondera Paganotti. Trump voltou atrás, Bolsonaro insistiu no erro e conduziu todos os seus seguidores para o destino derradeiro dos negacionistas.

Compreensivelmente, a parcela da população que ainda defende o bolsonarismo é a principal vítima das ideias avançadas pelo presidente da República e o seu gabinete de lunáticos. Essas pessoas acreditaram nas mensagens doentias que foram emitidas desde o início da pandemia e seguem pagando extremamente caro, muitas com as próprias vidas, inclusive. Nesse sentido, a política do negacionismo é, também, a política da morte.

* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter) e Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente).