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Olavo deixa, antes de tudo, um legado trágico, diz B. Teitelbaum

Autor da obra Guerra pela Eternidade, Benjamin Teitelbaum estuda de perto as tendências tradicionalistas que inspiraram figuras como Olavo de Carvalho e Steve Bannon - Patrick Campbell
Autor da obra Guerra pela Eternidade, Benjamin Teitelbaum estuda de perto as tendências tradicionalistas que inspiraram figuras como Olavo de Carvalho e Steve Bannon Imagem: Patrick Campbell

Colunista do UOL

29/01/2022 09h52

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[RESUMO] Estudioso do tradicionalismo, corrente ideológica que influenciou figuras como Olavo de Carvalho e Steve Bannon, Benjamin Teitelbaum, autor da obra Guerra pela Eternidade, destaca a trajetória pouco usual do guru da família Bolsonaro. Para ele, antes de ser lembrada como destrutiva, a figura de Olavo deve ser compreendida em sua dimensão trágica.

* Benjamin Teitelbaum

Se ouvimos o nome do falecido Olavo de Carvalho, imagino que, no Brasil, a maioria das pessoas pensaria, imediatamente, em sua ligação com o bolsonarismo. Já outros podem se lembrar do Olavo influenciador digital, com sua retórica inflamada e grosseira. Talvez alguns recordem, ainda, de seus interesses excêntricos pela astrologia, alquimia, esoterismo ou até o islamismo.

No meu livro Guerra pela Eternidade, eu argumento que todas essas facetas aparentemente aleatórias de sua identidade estão, na verdade, conectadas entre si. Quando falamos de Olavo de Carvalho, sua admiração por Jair Bolsonaro tal qual seu fascínio pelo ocultismo foram, todos, parte de uma rejeição multifacetada de tudo o que, no mundo moderno, costumamos chamar de progresso.

Essa foi uma tese que desenvolvi com base, em parte, nas entrevistas que tive a oportunidade de fazer com Olavo e, também, a partir de visitas e observações dele em sua casa, bem como em encontros que ele manteve com o ex-assessor de Donald Trump Steve Bannon. Como Olavo não gostou do que escrevi a seu respeito, entre 2020 e 2021, ele acabou gastando uma quantidade surpreendente de energia nas mídias sociais atacando a mim e ao livro. Sou um dos muitos, embora talvez um dos últimos, a ter sido alvo de suas polêmicas.

Mas, ainda assim, ao ponderar o seu legado enquanto pessoa pública, me vejo pensando não apenas na sua faceta ofensiva ou destrutiva, mas também trágica — trágica no sentido de que vejo um potencial desperdiçado. Deixe-me explicar: imagine se alguém comentasse com você, sem maiores detalhes, a respeito de um intelectual renegado, uma figura que, em grande medida, foi um autodidata e com referências ideológicas ecléticas que iam desde teólogos cristãos a ocultistas do século XX.

Imagine, ainda, que, em sua trajetória, essa figura esteve comprometida, ostensivamente, em fiscalizar quem estava no poder; alguém que, ao longo de sua vida, foi ridicularizado pela mídia e academia, mas que, no entanto, sobreviveu graças a uma escrita afiada e a uma comunidade de seguidores implacável.

Essa pessoa teria, ainda, fundado sua própria escola de pensamento e contornado a crítica jornalística ao expandir seus próprios veículos de mídia. Imagine, por fim, que essa figura alcançou proeminência política no final de sua vida, não como político ou empresário, mas identificando-se como filósofo.

Se eu tivesse ouvido falar de alguém assim, teria ficado curioso e instigado. Tenho um gosto particular por outsiders ou, digamos, por personagens que não se encaixam num roteiro tradicional. Gosto de pessoas cujas origens e interesses são tão estranhas que são quase ininteligíveis para a maioria. Suponho que seja uma afinidade estética da minha parte. Eu acho que pessoas assim são interessantes.

Mas eu também as valorizo porque pessoas assim têm uma tendência de enxergar coisas que outros não enxergam. Já rejeitadas por intelectuais e pelos chamados gatekeepers — responsáveis pelo "controle de qualidade" do debate público —, essas pessoas têm pouco a ganhar aderindo a consensos. Elas não apenas analisam o mundo através de uma lente incomum, mas podem ser honestas ao descreverem o que estão vendo.

Para mim, os detalhes de suas opiniões políticas costumam ser secundários. O que mais valorizo nelas é a sua atitude. E me pego aplaudindo quando, contra tudo e contra todos, elas conseguem forjar uma plataforma para si mesmas. Quando fazem isso, elas parecem estar excepcionalmente bem posicionadas para falar a verdade. Com a exceção de Olavo de Carvalho, já que, no seu caso, nada disso aconteceu.

Sim, ele criticou a farra das elites e denunciou a corrupção. Mas discordo de seus seguidores se eles acham que esse é o seu legado distintivo como figura pública. Deixando de lado sua vida privada como pai e marido, me parece que a assinatura deixada em público por Olavo está na maneira como ele usou da sua popularidade excepcional para fins que eram, lamentavelmente, privados, e não revolucionários: ego e poder.

Sejam quais fossem os alvos do momento, Olavo os achincalhou, intimidou e ameaçou. Ele diminuiu pessoas com a mesma frequência com que desafiou os de cima. Ele ridicularizou e esculachou tanto quanto criticou. Ele se enriqueceu. Tudo isso enquanto irradiava desinformação em uma escala que poucos fora do Brasil poderiam estimar.

De fato, para quem não conheceu de perto a figura, a inabilidade para compreendê-la é reveladora. Aqui nos Estados Unidos, Olavo tem recebido muito mais cobertura após a sua morte do que em vida, mas todos os obituários sofrem para capturar a natureza tão peculiar de sua personalidade e influência.

Não há por aqui uma figura comparável a Olavo. Ao buscarem uma referência, muitos têm o associado a apresentadores de rádio barulhentos da mídia conservadora, a intelectuais iconoclastas que combatem o identitarismo e, claro, também a poderosos assessores de presidentes americanos — como foi o caso de Steve Bannon. Traçar essas comparações é definir Olavo como jornalista, autor ou agente político.

No entanto, quando reflito sobre Olavo e seu papel como um intelectual público de oposição, sou levado a compará-lo a um americano chamado Andrew Breitbart — homônimo do veículo de comunicação de direita Breitbart.

Como no caso de Olavo, os posicionamentos políticos de Breitbart nunca estiveram alinhados com os meus, mas, ainda assim, eu era capaz de ver um propósito em sua agenda contra as elites políticas e culturais. Tal como aconteceu com Olavo, no entanto, essa agenda sucumbiu a outra, de autorreferência, vulgaridade e desprezo por pessoas que pensavam e viviam de forma diferente.

Essa foi a contribuição de Breitbart para o discurso político e, embora possamos — e muitos o farão — comentar sobre os danos tangíveis causados por essas figuras, eu fico, também, atiçado por um certo vazio misterioso que eles deixam para trás.

Para finalizar, deixo uma passagem de um dos obituários de Andrew Breitbart que bem poderia descrever Olavo: "O que será lembrada é a entusiasmada coleção de pixels que ele deixa para trás, aquelas imagens de um homem corpulento com cabelos grisalhos e uma boca rosnenta, dizendo palavras de baixo calão a alguém".

* Benjamin Teitelbaum é professor associado de Etnomusicologia na Universidade do Colorado em Boulder, autor de Guerra pela Eternidade.

* Tradução de Rafael Burgos