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São Paulo ameaça coroar Bolsonaro com reeleição e aliado governador

O ex-ministro Tarcísio Freitas, pré-candidato ao governo de São Paulo, em encontro na igreja Assembleia de Deus - Divulgação
O ex-ministro Tarcísio Freitas, pré-candidato ao governo de São Paulo, em encontro na igreja Assembleia de Deus Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

06/04/2022 20h34

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* Vinícius Rodrigues Vieira

Parafraseando Tom Jobim, São Paulo não é para amadores. Ou não deveria ser. Segundo pesquisas recentes de intenção de voto para presidente e governador, a locomotiva da nação parece, num primeiro momento, ter enlouquecido. Uma análise mais detalhada, porém, sugere que o "Estado bandeirante" é um bastião enrustido do reacionarismo que o presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados encarnam hoje no Brasil.

Segundo o Instituto Paraná Pesquisas, o candidato à reeleição está tecnicamente empatado com o ex-presidente Lula (PT) na preferência entre os eleitores paulistas na corrida para o Planalto, com 31% contra 34,2% das intenções de voto.

Ainda de acordo com o mesmo instituto, o candidato bolsonarista ao governo de São Paulo, o ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos), já conta com 12,6% das intenções de voto, um empate técnico com o segundo colocado Márcio França (PSB), que tem 17,1% das preferências. À frente, está Fernando Haddad (PT), com 30,2%. Como candidato à direita mais bem posicionado nas pesquisas, Freitas tem tudo para ir ao segundo turno.

Nesse cenário, o bolsonarismo não apenas teria condições de se manter no controle do país, mas também de levar o Estado mais rico e com maior orçamento dentre todas as unidades da federação. Quais são as chances desse cenário tenebroso para a democracia ocorrer?

Vamos começar por Brasília. Não ficarei surpreso caso o maior colégio eleitoral do país dê uma segunda chance ao capitão, vestindo a roupa de coveiro da democracia. Em 2018, no segundo turno, Bolsonaro bateu o então candidato do PT, Haddad, em 631 dos 645 municípios do Estado. Na proporção de votos totais, o atual presidente conseguiu mais de dois terços dos votos válidos dos eleitores paulistas, totalizando 67,97% dos sufrágios (15.306.023 de votos), contra 32,03% (7.212.132) do concorrente petista.

Uma estimativa simples sugere que, sem os votos de São Paulo, Bolsonaro teria tido dificuldades para virar presidente. Suponha que os eleitores que não se abstiveram ou não anularam o voto tivessem se dividido igualmente entre o atual inquilino do Planalto e Haddad. Nesse cenário hipotético, o petista teria tido pouco mais de 4 milhões de votos a mais, o suficiente para reduzir a diferença em relação a Bolsonaro de cerca de 10 milhões de votos no país todo para apenas 3 milhões.

Isso porque, em vez de ter sido a escolha de quase 58 milhões de eleitores, a votação de Bolsonaro teria caído para pouco menos de 54 milhões, enquanto Haddad teria saltado de 47 milhões para 51 milhões de sufrágios. Assim, em vez de ganhar por pouco mais de 55% dos votos, Bolsonaro teria angariado apenas 51% do apoio dos eleitores que não invalidaram seus sufrágios ou não se abstiveram.

Esse exercício superficial demonstra quão crucial São Paulo pode ser para qualquer um que queira chegar ao Planalto, ainda que nas eleições de 2006, 2010 e 2014 o vencedor ou vencedora não tenha ganhado no Estado.

Já nas eleições para governador, o bolsonarismo pode sair-se vitorioso pelas mãos de Freitas, um paraquedista político, pois jamais teve vínculos com o Estado de São Paulo. O vídeo em que o pré-candidato fala sobre o aeroporto de "Congonha" em vez de Congonhas é ilustrativo de sua intimidade com o universo paulista. Tenho informações, porém, de que a burguesia do Estado está entusiasmada com a possibilidade de ter um governador bolsonarista — incitada pelo medo de ver o PT no Palácio dos Bandeirantes

Não me parece haver tempo hábil para que o governador Rodrigo Garcia (PSDB), que busca a reeleição, chegue ao segundo turno. Por isso, seria salutar se a centro-esquerda preferisse França em vez de Haddad como candidato. O interior de São Paulo é antipetista e não vai se furtar a votar num paraquedista como Freitas para impedir que o partido de Lula finalmente conquiste o poder no Estado.

Ademais, não se deve descartar o potencial estrago que a memória dos malfeitos do PT no governo federal pode causar na campanha de Lula no circuito Campinas-Ribeirão Preto-São José do Rio Preto-Presidente Prudente-Bauru-Sorocaba-São José dos Campos. Até mesmo o fato de Lula escolher como vice Geraldo Alckmin (PSB), que foi governador quatro vezes e tinha no interior o bastião de sua popularidade quando era tucano, deve atrapalhar o partido no Estado.

Explico esse ponto: todos meus conhecidos mais à direita no espectro político veem Alckmin e seu ex-partido, o PSDB, como traidores e/ou corruptos. Não há, obviamente, metodologia científica nessa análise, mas não me surpreenderia se um grupo focal, recurso utilizado para entender num ambiente relativamente controlado o comportamento de um grupo de eleitores, sobre esse tema resultasse em conclusões semelhantes.

Para a democracia, um réquiem nada elegante. Para o bolsonarismo, a volta por cima depois de ter sido dado como morto com a pandemia e erros em série na condução de políticas públicas, inclusive a econômica. Freitas pode ter suas qualidades como gestor público e tocador de obras, mas me causa pesadelos imaginar a já maltratada educação pública paulista conduzida por pastores evangélicos e a segurança pública retrocedendo à lógica mais primária dos "direitos humanos para humanos direitos". E as universidades paulistas: ficariam elas isoladas da agenda negacionista do bolsonarismo em tal cenário?

Freitas, aliás, já indicou que, se eleito, deve retirar as câmeras dos uniformes dos policiais, medida esta que reduziu em 85% a letalidade de suspeitos em operações. A racionalidade passa ao largo mesmo dos bolsonaristas supostamente mais técnicos.

Para finalizar, recorro ao meu xará Vinicius de Moraes, que teria afirmado equivocadamente, sobre a cidade de São Paulo, que se tratava do "túmulo do samba". Sem erro, digo que o Estado de São Paulo corre o risco de virar o coveiro da democracia brasileira ao potencialmente ser crucial para a reeleição de Bolsonaro, colocando um aliado-chave do presidente no poder. A cadela do fascismo procria em terras bandeirantes.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.