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Com indulto, Bolsonaro se blinda e busca pretexto para o golpe
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* Cesar Calejon
Por meio do indulto presidencial, que foi concedido pelo presidente da República ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), Jair Bolsonaro tem três objetivos fundamentais: testar a sua capacidade de blindar os seus principais aliados, incluindo os próprios filhos e membros do seu gabinete que lhes são mais próximos, tirar o foco dos debates pré-eleitorais e criar um cenário de caos que lhe sirva como argumento para romper com os limites republicanos que ainda existem sob a combalida democracia brasileira.
Ao longo dos próximos dias e semanas, as discussões serão sobre a constitucionalidade do ato, sobretudo no que diz respeito ao ineditismo da medida, dos princípios da impessoalidade, da moralidade e de comparações com outros líderes autocratas que adotaram medidas similares ao longo da história. A minha intenção neste artigo, contudo, não é debater a legalidade do ato, tarefa que deixo para colegas juristas que certamente a endereçam neste exato momento.
O meu intuito nesta ocasião é salientar que, independentemente do que aconteça a seguir, o indulto para Daniel Silveira é o primeiro ato que serve como uma experiência de um projeto mais amplo e, portanto, que deverá se repetir ao longo dos próximos meses. Nessa medida, a graça presidencial concedida ao deputado bolsonarista marca o surgimento da última e mais agressiva forma do bolsonarismo: um regime autocrático, que tem por objetivo final desmontar a arquitetura constitucional do país e implementar uma espécie de teocracria miliciana de caráter dogmático religioso.
O perdão bolsonarista chancela a atuação direta de um presidente da República no sentido de blindar um aliado imediato, criminoso condenado pela Corte Constitucional do país a 8 anos e 9 meses de prisão e perda do mandato, precisamente por incitar atos antidemocráticos contra os Poderes constituídos. Hitler, Mussolini, Stalin, Trump (tentou e falhou) e outros autocratas seguiram este mesmo caminho. Passaram por cima dos valores da legalidade, da pluralidade e da diversidade para blindar aliados que haviam cometidos crimes e caçar opositores políticos.
Bolsonaro vem ensaiando essa jogada há muito tempo. Ainda antes de ser eleito, disse, explicitamente, que fuzilaria opositores políticos. No último dia 7 de setembro, convocou às ruas para afirmar que não acataria mais decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal e deixou claro, por inúmeras vezes, que não aceitará a sua eventual derrota em outubro de 2022.
Desta forma, é preciso compreender que o bolsonarismo é uma espécie de monstro em constante transformação e que depende de uma metaformose sombria, que o transforma em versões consecutivamente mais nefastas e abjetas para fazer a manutenção dos seus poderes. O que estamos presenciando neste momento é a etapa mais macabra e virulenta deste processo, precisamente porque esse monstro jamais se sentiu tão ameaçado desde que surgiu no cenário político nacional.
Nesse contexto, Bolsonaro tenta criar o que em inglês se define como "win-win situation", ou seja, uma situação na qual a derrota não existe enquanto possibilidade. Esse é o principal objetivo do bolsonarismo neste sentido: perdoar todos os crimes cometidos pelos seus membros por meio de uma espécie de salvo-conduto ou atacar as instituições e os processos democráticos sob a alegação de que, na verdade, o STF, e não ele próprio, estaria desrespeitando as regras do jogo, criando um pretexto ideal para o golpe de Estado antes ou depois do pleito presidencial, dependendo do que indicarem as pesquisas de intenção de votos, mas, sobretudo, do resultado verificado nas urnas.
O STF, apesar das suas contradições e problemas, vem impondo limites às sanhas autoritárias do bolsonarismo. Contudo, neste momento, seria mais astuto e prudente não confrontá-lo diretamente — e isso inclui as desavenças com parte das Forças Armadas —, mas utilizar a representatividade parlamentar de partidos e figuras políticas para demandar medidas jurídicas contra os impropérios bolsonaristas.
Ao criar o pretexto de que o Judiciário estaria saindo das quatro linhas da Constituição, o bolsonarismo consegue também desviar o foco do debate e ocultar o imenso fracasso do seu governo nas principais searas da vida social da população brasileira. Além disso, o momento de imputar as devidas responsabilidades legais aos principais membros do bolsonarismo será após as eleições de 2022 e quando o novo governo já estiver empossado.
Exatamente por isso, a última chance de interromper a face mais obscura do bolsonarismo acontecerá durante o próximo pleito presidencial, quando Bolsonaro deverá promover uma guerra nos moldes do que Trump fez durante a invasão do Capitólio estadunidense no dia 6 de janeiro de 2021. Depois disso, caso Bolsonaro seja reeleito, indultos como o de ontem serão apenas o começo da aberração que seguirá e o nazifascismo brasileiro estará consolidado.
* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter) e Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente).
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